Uma campanha, uma falácia

Ao cruzar uma banca de jornal num dia desses, eis que me deparo como uma Leandra Leal na capa de uma revista. Ostenta um lema, inscrito sobre a camiseta branca: #precisamos falar sobre aborto. O ar é de campanha, de mobilização. A publicação em questão é a revista TPM, da Trip Editora.

De cara, pelo histórico da mesma, desconfio de que abordagem não seja assim tão “neutra” e democrática como sugere o título da campanha. Prefiro, porém, me contrariar e acreditar que o trabalho jornalístico tenha sido apresentar as diversas vozes e opiniões sobre o assunto.

Quando há este ideário de aplicar a maior isenção possível na apuração de uma reportagem, quem ganha é o leitor, abastecido por diferentes teses e argumentos. Mesmo quando exista um posicionamento claro de uma publicação sobre um tema em específico – que sempre é saudável, se reservado aos editoriais –, ele jamais deve se furtar de ouvir vozes dissonantes, buscar as incoerências e paradoxos.

"Não acredito que a descriminalização...

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Deborah Secco: “O fácil não me seduz”

Estreia na próxima quinta-feira, 20 de novembro, o filme brasileiro Boa Sorte, eleito pelo júri popular como o melhor do Festival de Paulínia. Com direção de Carolina Jabor (filha de Arnaldo Jabor), o longa-metragem adapta o conto Frontal com Fanta, do cineasta gaúcho Jorge Furtado, recrutado para escrever o roteiro com seu filho, Pedro.
 

Cena do filme Boa Sorte. Foto: Divulgação

A história se passa numa clínica de reabilitação, onde João (personagem de João Pedro Zappa) é internado pelos pais, após apresentar vício no ansiolítico que encontrou na bolsa da mãe. Nesta instituição tomada por desajustados, ele se aproxima de Judite (Deborah Secco), uma drogada soropositiva. Daí surge um amor improvável, sem dúvida, o grande chamariz do filme. Drogas lícitas e ilícitas, HIV, adolescência são temas presentes, mas que jamais roubam a construção do romance.

Deborah está impressionante. É o melhor papel de sua vida. Quase sempre refém de personagens de perfil sensualizado nas telenovelas, a...

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Não é da minha conta

Não sei a você, mas muito me espantou a notícia que apresentava o flagra da traição do comediante Marcelo Adnet, publicada na última sexta-feira (7). A investigação paparazzi fornecia amplo material fotográfico, do xaveco à consumação do enlace amoroso com uma loira gaúcha, numa rua do Leblon, na zonal sul do Rio de Janeiro. Adnet, como se sabe, é casado com Dani Calabresa, hoje integrante do elenco do CQC, da TV Bandeirantes. Formam um casal bem sucedido, respeitado pela crítica e aclamado pelo público. Em pouco tempo, os principais veículos de imprensa estampavam o fato em seus portais e em suas redes sociais.
 

Marcelo Adnet. Foto: Divulgação

Volto ao espanto pessoal: não foi o ato em si de Adnet que me causou qualquer tipo de reação condenatória. Veja, é claro que o adultério não é desejável, mas, como mero espectador, isso não me diz respeito. Não tenho juízo algum sobre isso e não me interessam as escolhas e deslizes da vida pessoal do artista. O choque maior é com os critérios...

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Onde está a graça?

Por conta de compromisso de trabalho para emissora de rádio em que trabalho em SP, tenho visitado quase diariamente o Salão do Automóvel, realizado no Pavilhão de Exposições do Anhembi, na zona norte da capital paulista. Apesar de extremamente bem realizado e concorrido, jamais iria ao evento por conta própria. Ainda não consigo compreender de onde vem todo esse fetiche pelos inúmeros modelos desenvolvidos pela indústria automobilística. Não é uma ojeriza ao tipo de transporte em si - que é eficiente, confortável, razoavelmente seguro, etc. O que me espanta é a babação toda por estas máquinas de elevação de status. Quanto maior o valor, melhor é sua imagem na praça, ao menos é o que indica o senso comum entre aqueles que vagam pelos inúmeros corredores do local. Pior: na prática, o que está exposto são, em sua maioria, objetos de consumo inalcançáveis (já que passam da casa dos milhões). Estão ali apenas para seduzir o olhar e preencher a memória fotográfica dos smartphones. Haja...

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Por que brigamos?

Difícil alguém ter ficado de fora de tamanha pancadaria. Na arte do convencimento, tudo é válido, tudo é relativizado. Se roubou, quem não rouba? Se mentiu, quem não mente? A retórica virulenta é a mãe das desavenças. A cada saraivada de tiros, uma guerra particular se estabelecia. A única regra presumível é o fingimento: fingir ser intelectual, fingir ser artista, fingir ser entendido do negócio, fingir ser sabedor dos males da humanidade. Num caótico jogo de argumentações, provocações, humilhações e escândalos, só se salvou quem tirou férias mesmo.

Em período eleitoral, as redes sociais se transformaram em depósito perfeito para todos os impulsos nefastos. Até o humor passou a ser pouco tolerado neste embate entre “projetos de país”. Há quem compare a briga virtual com rixa de futebol. Quem dera se o debate eleitoral tivesse alguma semelhança com as provocações entre torcedores, quase sempre divertidas, irônicas e que são motivo para estreitar amizades e combinar uma cerveja. As...

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Cinema transforma a vida de adolescentes da periferia

Dentre os perversos estereótipos vinculados a moradores de zonas periféricas nas grandes metrópoles brasileiras, o da falta de aptidão para atividades “sofisticadas” me parece um dos mais cruéis. Como se a pobreza resultasse necessariamente na mais completa alienação cultural ou até – o que é pior – na falta de capacidade de reverter o quadro de miséria intelectual, além da material.

Todos têm sonhos e projetos próprios. Como viabilizá-los é o “X” da questão. Não há dúvidas de que o número de oportunidades costuma ser maior para quem possui mais recursos. Este estofo financeiro, que não é nenhum mal (é bom frisar, antes que engraçadinhos comecem a espernear contra a elite), dá liberdade de escolha, um dos parâmetros centrais na conquista da felicidade.

Quem mora na periferia nem sempre dispõe de um leque tão vasto de escolhas, estudantis e profissionais. Muitas vezes garantir a sobrevivência está acima de qualquer devaneio mais elaborado. Num país como o nosso, a discrepância de...

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Sobre

Pitacos, reflexões e provocações sobre música, cinema, jornalismo, cultura pop, televisão e modismos.

Autores

Emanuel Bomfim

Emanuel Bomfim nasceu em 1982. É radialista e jornalista. Escreve para revista Cidade Nova desde 2003. Apresenta diariamente na Rádio Estadão (FM 92,9 e AM 700), em SP, o programa 'Estadão Noite' (das 20h às 24h). Foi colaborador do 'Caderno 2', do Estadão, entre 2011 e 2013. Trabalhou nas rádios Eldorado, Gazeta e América.