Quando a notícia é ruim, mal dá tempo de respirar. Assim amanheceu esta segunda, 11 de janeiro de 2016. O cinza da cidade e o mau tempo que se instalou serviram de cenário para a manchete trágica: David Bowie havia morrido. Ainda no dia anterior.
Um comunicado divulgado na página oficial do cantor no Facebook dava consistência ao impensável: "David Bowie morreu hoje, pacificamente, cercado por sua família após uma luta corajosa de 18 meses contra o câncer. Ainda que muitos de vocês compartilhem nossa dor, pedimos que respeitem a privacidade da família neste período de luto".
Ora, como absorver tamanha tristeza e dor diante de alguém que estava tão ativo até pouco tempo? Seu novo e recém-lançado disco, Blackstar, era o assunto do momento. E, a reboque dele, todo o valor de uma carreira pautada pela inovação. E, agora, sem avisos prévios, Bowie se despede. A morte costuma dar sentido a muitas coisas e, realmente, parece explicar muito do lirismo denso, sombrio e introspectivo de Blackstar.
O disco era uma despedida. E uma despedida a la Bowie, repleta de signos e apontada para uma vanguarda estética. O jazz como ferramenta e a abstração e o conceito como linhas mestras de uma obra dinâmica, em eterna transformação.
Não há dúvidas de que a morte de Bowie deixa o mundo pior. Era pelo seu olhar que a trilha sonora de muitas vidas permitiu uma leitura mais apurada da realidade. Pois era dela mesmo que Bowie se alimentava. Captador de referências, Bowie era o melhor selo de qualidade para qualquer tipo de tendência. Assim fez com o glam-rock, com o funk, com a disco, com a eletrônica e assim criou seus personagens, quase sempre deslocados do mundo.
Provocativo, classudo, David Bowie talvez tenha sido o único entre os gigantes do pop a se permitir tantas reinvenções. Estava sempre disposto a colocar sua próprio legado em risco. Lazarus, seu mais recente single, faz menção ao personagem bíblico, irmão de Marta e Maria, ressuscitado por Cristo mesmo tendo morrido há quatro dias. Foi o maior milagre de Jesus. O recado era simbólico: a fé que vence a morte.
David Bowie viveu um calvário doloroso por 18 meses, tomado por um câncer. É possível, portanto, entender a morte como uma libertação. E, se assim o foi, apesar da dor, há um sentido de plenitude. Tal como boa parte de suas canções, agora mais eternas do que nunca.