Não sei a você, mas muito me espantou a notícia que apresentava o flagra da traição do comediante Marcelo Adnet, publicada na última sexta-feira (7). A investigação paparazzi fornecia amplo material fotográfico, do xaveco à consumação do enlace amoroso com uma loira gaúcha, numa rua do Leblon, na zonal sul do Rio de Janeiro. Adnet, como se sabe, é casado com Dani Calabresa, hoje integrante do elenco do CQC, da TV Bandeirantes. Formam um casal bem sucedido, respeitado pela crítica e aclamado pelo público. Em pouco tempo, os principais veículos de imprensa estampavam o fato em seus portais e em suas redes sociais.
Marcelo Adnet. Foto: Divulgação
Volto ao espanto pessoal: não foi o ato em si de Adnet que me causou qualquer tipo de reação condenatória. Veja, é claro que o adultério não é desejável, mas, como mero espectador, isso não me diz respeito. Não tenho juízo algum sobre isso e não me interessam as escolhas e deslizes da vida pessoal do artista. O choque maior é com os critérios estabelecidos pelo jornalismo especializado em celebridades. Na lógica de saciar a curiosidade voyer da audiência, o “vale tudo” entra em cena, com especial atenção às infidelidades dos famosos. Quanto mais polêmico, extraordinário, invasivo e bizarro, melhor.
Não sou ingênuo: uma fofoca desse porte tem um potencial absurdo de cliques. Sei que o que move os editores é justamente a capacidade de movimentar a massa, estar entre os mais lidos, os mais comentados. Em outras palavras, é potencializar o lucro da empresa – e sua permanência no mercado. Dentro do “sistema”, é difícil (para não dizer impossível) remar contra a cartilha deste tipo de cobertura. Não quer sujar as mãos? É melhor cair fora.
Aqui estamos justamente no cerne do debate sobre o público e o privado. O que é exercício pleno da liberdade de expressão (de imprensa) e o que é invasão de privacidade. A constituição brasileira garante os dois direitos ao indivíduo, de maneira igualitária.
Difícil é definir quem tem razão. Nesta delicada trincheira, sempre há mais feridos do que sobreviventes. Pegamos este caso do Adnet como exemplo: a traição conjugal de um humorista famoso, pertencente ao casting da TV Globo (emissora com maior audiência do país), é uma notícia relevante? É realmente uma informação de interesse público?
Se você guiar sua resposta segundo os mandamentos da conquista de audiência fácil e do contexto do star system nos dias de hoje, não há dúvida de que o fato deve ser revelado, ainda que ele não tenha nenhum impacto real na vida das pessoas. No máximo, vai alimentar a fofoca sobre a vida dos artistas – uma maneira, quiçá, de exorcizar os próprios demônios.
Agora, quando o caso é confrontado por princípios éticos, digamos, mais respeitosos, é evidente que a notícia mal seria veiculada. Talvez nem despertasse tanto interesse. Seria algo do foro íntimo do indivíduo. Ponto. Mas aqui estamos elaborando um mundo hiper-idealizado, onde sensacionalismos não fazem parte da cultura de massa. Possível?
Nessas horas sempre surge alguém para defender o argumento de que pessoas famosas necessariamente precisam pagar pelo preço da projeção. Já que são figuras públicas, deverão carregar o fardo de tal status, dizem. De fato, a fama naturalmente rouba parte da intimidade. Isso é do jogo. Ainda assim, se espera que haja algum critério na abordagem e exposição da vida das celebridades.
Em tempos de impulsos totalitários vindos de toda parte, acho importante frisar: nada disso depende de “regulação da mídia” para ser “sanado”. Qualquer investida nessa seara seria censura. Isso deve ser reprovado com todo ímpeto. A solução não está aí.
Muito me estranhou a reação de Marcelo Adnet, que utilizou seu perfil no Twitter para comentar o caso e se desculpar. É provável que ele tenha ficado preocupado com sua imagem, com a credibilidade de sua reputação. Ao tomar essa atitude, Adnet acaba por consentir com o tratamento público de algo privado. Isso é tudo que a indústria da fofoca deseja para continuar a se perpetuar.
Adnet não precisa se explicar. Pelo menos não sobre o rumo de seu casamento. Sinceramente, a única coisa que espero é que ele jamais perca a graça. De resto, não é da minha conta.