Vai ter Copa, mas e daí?

Tenho acompanhado à distância e com certa apreensão a onda de protestos, no advento da segunda edição da Copa do Mundo de futebol no Brasil. Uma coisa, porém, parece fatídica: com ou sem protestos a Copa vai acontecer. Diante disso, quais são as oportunidades reais que esse grande evento nos dá para potencializarmos interna e externamente nossas demandas de um país melhor? Como o mundo do Esporte pode ajudar nesse processo?

As Copas do Mundo e o Brasil

A primeira Copa no Brasil, em 1950, aconteceu logo após o fim da Segunda Guerra Mundial que devastou o continente Europeu. Foi o francês Jules Rimet, então presidente da FIFA - entidade máxima do futebol mundial - o grande defensor da Copa no nosso país. Segundo ele, a hospitalidade do povo, as belezas naturais e o fato de o Brasil ter sido o único país a ter disputado todas as Copas anteriores eram os motivos que justificavam a escolha.

Foto: Discretos/Flicker

De 1950 para cá, muita coisa mudou em nosso país e não foi somente a quantidade de troféus conquistados. Na metade do século XX, segundo estimativa* do IBGE, éramos um pouco mais de 53 milhões de habitantes, com uma taxa de analfabetismo de 50% e PIB de 15 bilhões de dólares. Hoje, somos mais de 200 milhões de habitantes, com uma taxa analfabetismo de cerca de 9% e PIB de 2,35 trilhões.

É importante ressaltar que, da mesma forma que não existe qualquer relação direta entre a realização do evento esportivo e a melhora significativa no quadro socioeconômico do país, não é possível apontar a Copa do Mundo como a principal culpada pelas mazelas sociais ainda existentes no Brasil.

A Copa é para quem?

No que diz respeito à Copa que iniciará daqui a dez dias, o descaso do Poder Público em relação ao legado social atribuído ao evento e os gastos exacerbados para a construção e reforma dos estádios transformaram a Copa do Mundo no estopim para uma crescente onda de protestos que já dura quase um ano.

Esse fenômeno fez com que o conhecido fanatismo que o brasileiro nutre pela seleção de futebol adquirisse um importante elemento de criticismo. O comportamento de repulsa do povo em relação à Copa gerou certa curiosidade da imprensa internacional. “Porque o país que tanto ama o futebol, odeia essa Copa do Mundo?” é o título de uma matéria do jornal alemão Bild

Uma interessante análise publicada no jornal britânico The Guardian, porém, elogia os protestos no Brasil, afirmando que “os brasileiros estão dizendo o que os britânicos não tiveram coragem de dizer durante a realização das Olimpíadas em Londres, em 2012”.

O jornalista dinamarquês Mikkel Jensen, impressionado com a desigualdade social brasileira, ignorada durante os preparativos da Copa do Mundo, além protestar em redes sociais e decidir não cobrir o evento esportivo, produziu o documentário intitulado “O Preço da Copa do Mundo”. O vídeo de quase 30 minutos apresenta a uma visão crítica do “legado social” que o evento futebolístico deveria promover.

 

 

 

O Esporte e o Brasil que queremos

A Copa vai passar, juntamente com os protestos e discussões relacionadas ao evento esportivo. Contudo, o esperado legado social talvez deverá ser colhido de outras maneiras.

No que diz respeito ao contexto social, devemos aproveitar o entusiasmo do momento para fazer crescer a consciência coletiva de que somos os verdadeiros agentes da transformação que queremos. A nossa participação cidadã vai além de passeatas, greves e protestos.

O documentário do jornalista dinamarquês sobre a Copa do Mundo, não só denuncia a omissão do Poder Público diante de práticas criminosas adotadas durante os preparativos para a Copa. Cidadão comuns – policiais, comerciantes, empresários - almejando aproveitar o evento esportivo para aumentar a própria receita, acabam também compactuando com procedimentos ilícitos que contribuem para a manutenção das desigualdades. Um bom exemplo de como o mundo vê a corrupção no Brasil é o artigo publicado no site de notícias da rede inglesa BBC que apresenta 10 ‘práticas de corrupção’ do dia a dia do brasileiro, relacionando as mudanças que exigimos, ao modo como nos comportamos como cidadãos.

Já o mundo dos Esportes deve ficar de sobreaviso: um grande evento esportivo não transcende a realidade social do país que o realiza, mas necessita assumir, de maneira clara e formalizada, as responsabilidades que a sua organização acarreta neste aspecto.

A FIFA, após os problemas no Brasil, já está repensando os critérios e exigências para que a dimensão social não seja novamente ignorada nas próximas Copas. É já um primeiro passo importante pelo qual nós, brasileiros, somos positivamente responsáveis.

* O primeiro censo demográfico do IBGE foi feito em 1980, quando a população brasileira era já de 119 milhões de habitantes.

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Sobre

Fazer do esporte um instrumento de promoção da fraternidade é aceitar o desafio de descobrir, acima de tudo, a prática de atividades físicas como possibilidade de encontro, de relação. Em uma competição esportiva, o adversário não é um inimigo, nem o jogo uma batalha. Por isso, respeitar as regras predefinidas e preservar um espírito de lealdade e honestidade tornam-se elementos essenciais para que o esporte realize a sua missão socioeducativa. Neste blog, queremos identificar, discutir e descobrir os grandes promotores do esporte no Brasil e no mundo e, com eles, refletir sobre valores que ajudam a edificar a nossa sociedade.

Autores

Valter Hugo Muniz

Jornalista com experiências internacionais na Ásia (Indonésia) e na África (Costa do Marfim). Atualmente mora em Genebra, na Suíça. É formado em jornalismo pela PUC-SP. Trabalhou em agências de comunicação, empresas multinacionais, editoras e na televisão. Concluiu recentemente uma pós-graduação no Instituto Universitário Sophia, em Florença, Itália.