Sessenta anos é uma idade respeitável. Ainda mais se ela corresponder a 60 edições ininterruptas de uma feira de... livros! Num país que carrega a fama e a tradição de ler pouco, com uma população de 13 milhões de analfabetos, não é pouca coisa. Onde isso? Em Porto Alegre, que faz sua feira nas ruas da região central da cidade. É considerada a maior feira literária a céu aberto da América Latina.
História de muitas histórias. Foto: Fernanda Pompermayer
Além do acesso aos livros, a Feira também promove centenas de atividades gratuitas para públicos de todas as faixas etárias, envolvendo escritores, ilustradores, mediadores da leitura, contadores de histórias e outros convidados.
A feira começou em 1955, idealizada pelo jornalista Say Marques, diretor-secretário do extinto Diário de Notícias. Marques convenceu livreiros e editores a participarem do evento, reunindo grandes nomes do mercado editorial da época. O objetivo era popularizar o livro e a leitura num tempo em que as livrarias eram um ambiente muito elitizado.
A primeira edição da feira teve o mote “Se o povo não vem à livraria, vamos levar a livraria ao povo”. Ela aconteceu, como até hoje, na Praça da Alfândega, no centro histórico da capital gaúcha. Na primeira Feira do Livro eram apenas 14 barracas de madeira. Elas hoje continuam sendo de madeira e ainda são barracas – uma nota pitoresca e democrática: todas as editoras, distribuidoras, livreiros e sebos, dispõe de estruturas iguais, do mesmo tamanho.
O fato de ser na rua torna a feira realmente um evento popular, colorido, vibrante, espontâneo... temperado pelo cheiro dos quitutes da redondeza, ao som de instrumentos e vozes de artistas de rua. Dependendo da área em que o visitante se encontra, dá para ouvir vozes mais elaboradas também, pois há um calendário diário de corais e orquestras inscritos. Na própria feira e nas ruas adjacentes, estão reservados espaços para sessões de autógrafos palestras, debates e oficinas sobre temas afins ao evento.
Algumas curiosidades
Ruas de Porto Alegre. Foto: Fernanda Pompermayer
- A partir da segunda edição (1956), iniciaram as sessões de autógrafos na Praça. Um dos incentivadores foi Erico Verissimo;
- Nos anos 1970 assumiu o status de evento popular, com programação cultural realizada paralelamente à feira de livros;
- Nos anos 1980 houve duas novidades: a participação de expositores de outros países e o ingresso dos “sebos” na feira;
- A partir da década de 1990, a criação das leis de incentivo à cultura e a adesão de grandes patrocinadores proporcionaram a modernização da estrutura e um upgrade na programação cultural;
- Em 1995 foram criados espaços para novos leitores: crianças, jovens e adultos em fase de alfabetização, embrião para a criação da Área Infantil e Juvenil da Feira do Livro;
- Nos anos 2000, a programação cultural foi estendida para os centros culturais situados no entorno da Praça da Alfândega;
- Em 2005 a Feira do Livro foi declarada patrimônio histórico e cultural do Estado do Rio Grande do Sul;
- Em 2006 recebeu a medalha da Ordem do Mérito Cultural, da Presidência da República;
- Em 2010 tornou-se o primeiro Patrimônio Imaterial da cidade, pela Secretaria Municipal da Cultura.
Estive na Feira hoje. É um espaço alegre, colorido, espontâneo, vital... O cheiro dos livros se dispersa no ar, mas o prazer de folheá-los, de encontrar um novo título interessante, de garimpar uma raridade ou de desfrutar dos saldos é sempre muito bom. É revigorante!
Pela arquitetura e por outras características mais, Porto Alegre lembra muito algumas regiões de Buenos Aires. Ao chegar à Praça da Alfândega, coração da Feira do Livro, imaginei ver uma cena impossível, mas não improvável. Bem que poderiam estar lá sentados, lado a lado, em um banco de madeira, numa prosa encantada e encantadora, dois grandes homens da literatura sul-americana: Borges e Quintana. Para Borges, o paraíso seria “uma espécie de biblioteca”. Na feira, estaria se sentindo em casa, ou melhor, no Céu. Mário Quintana, para não perder o humor, ao observar as pessoas na feira repetiria a sua máxima: “Olha Borges, ‘eles passarão, eu passarinho’”. Foi um sonho de olhos abertos.