Acompanhando as notícias da semana passada, me deparei com uma foto horrível de um lutador brasileiro de MMA (abreviação em inglês de Artes Marciais Mistas), uma modalidade esportiva que ganhou fama em todo o mundo, com o nascimento do UFC (Ultimate Fighting Championship), organização americana que regulamenta e promove as lutas.
O estado do rosto do lutador, todo machucado, me fez pensar se uma atividade humana que tem como metodologia ferir o oponente para conquistar a vitória pode ser considerada, por definição, um esporte. Existem opiniões divergentes, prós e contras, mas se colocarmos o ser humano no centro da discussão, algumas pistas podem ampliar o nosso entendimento em relação a essa modalidade.
MMA é esporte? Foto: Chris Sgaraglino/Flickr
O que é esporte? O desafio da definição
Definir é um processo problemático, porque as sociedades mudam constantemente e os atributos considerados anteriormente podem adquirir novos significados com o passar do tempo.
Será que correr é esporte? E fazer musculação? Jogar ping-pong? Corridas de carros? E xadrez? Para responder perguntas como essas é necessário especificar quais atividades podem ser classificadas como esporte. Há ainda a possibilidade que algumas delas sejam consideradas como esporte sob certas circunstâncias, mas não quando essas circunstâncias mudam. Por exemplo, o surfe, a escalada, o paraquedismo são sempre atividades descritas como esporte?
Enfim, quais seriam os parâmetros para uma definição coerente do que é esporte? De acordo com o professor Valdir Barbanti, da Escola de Educação Física e Esporte da USP "esporte é:
- uma atividade competitiva institucionalizada;
- que envolve esforço físico vigoroso ou o uso de habilidades motoras relativamente complexas;
- realizada por indivíduos;
- cuja participação é motivada por uma combinação de fatores intrínsecos (o bom comportamento/atitude dos competidores, a justiça, o respeito, a determinação, o saber ganhar e perder) e extrínsecos (as recompensas externas como remuneração, troféu e etc)”.
Foto: Fort Meade/Flickr
O MMA e a importância do espirito esportivo
Formalmente, o MMA possui todas as características de uma modalidade esportiva. Contudo, no que diz respeito à realização dos fatores intrínsecos, que determinam à relação entre o competidor e seus adversários, essa modalidade parece incorporar uma “metodologia” perigosa.
Praticantes de artes marciais, como o judô ou o karatê por exemplo, podem acabar machucando o adversário ao aplicar um determinado golpe durante uma luta. Porém, a intenção do lutador está mais focalizada na aplicação plástica dos movimentos, do que em ferir o seu oponente. Já no MMA, para ser considerado vencedor, o lutador deve, ou nocautear, ou finalizar (imobilizar) ou atingir mais vezes o adversário. Isso faz com que a motivação intrínseca desta atividade esteja focalizada mais na “destruição” do adversário do que na vitória “técnica” da luta.
No que diz respeito à realização dos fatores intrínsecos, que determinam à relação entre o competidor e seus adversários, o MMA parece incorporar uma “metodologia” perigosa
“Classificaram essa luta sanguinária como esporte para regulamentar a rinha humana. Rinha de galo, de cães e de outros animais são proibidas por lei e a rinha humana não?” questionou, em um artigo, o autor brasileiro Laurez Cerqueira. Segundo ele, hoje existe um culto à violência “que está levando gente às academias e às lojas de tatuagem para ficar cada vez mais parecida com os lutadores de UFC. Junto com isso tem uns joguinhos eletrônicos de extrema violência que ajudam a turbinar a performance”.
Já os defensores da modalidade afirmam que o desconhecimento sobre a dinâmica do MMA – dentro e fora dos ringues – continua a atiçar comentários alheios à prática do esporte e que estudos contrariam até mesmo a tese de que ele machuca mais. Futebol americano e o futebol brasileiro causam, supostamente, mais lesões no crânio, por exemplo.
Independentemente das opiniões, acredito que seja necessário um aprofundamento a respeito dos fatores intrínsecos que constituem aquilo que chamamos de “Espirito esportivo”. Ao meu ver esse é um aspecto fundamental para a definição do que é ou não uma prática esportiva. Só a partir desse entendimento, poderemos contribuir efetivamente para a promoção de atividades que, em vez de incitar a violência, enriqueçam o ser humano, nas suas potencialidades físicas e éticas.