Em ritual de batismo entre janeiro e dezembro, as crianças indígenas Guarani Mbyá recebem seus nomes. Na tradição, o nome define aptidões e fraquezas para a vida e livra os pequenos dos males, como doenças. Cenas dessa cerimônia foram apresentadas ao público no último domingo (19), pela primeira vez, no documentário Arandu Ete – que significa sabedoria milenar na língua guarani –, do cineasta indígena Lucas Benites, no Museu do Índio, no Rio de Janeiro.
Filme mostra como as crianças indígenas Guarani Mbyá recebem seus nomes e como é o batismo de sementes de milho e de erva-mate na época do plantio. Foto: Isabela Vieira/ABr
Com cerca de 30 minutos, o filme mostra também como é o batismo de sementes de milho e de erva-mate na época do plantio. Destaca ainda o papel da Casa de Reza na cultura local e revela como são, na prática, a caça e a confecção de armadilhas. Tudo é parte do dia a dia da aldeia do cineasta, a Sapukai, que fica em Angra dos Reis, a 200 quilômetros do Rio.
“Importante é o próprio índio fazer a divulgação de sua cultura por meio da tecnologia, do filme”, disse Benites. “Ser documentarista valoriza a cultura indígena nos aspectos que são realmente importantes para os índios”, disse o cineasta.
Benites se tornou cineasta por meio de um programa de documentação do Museu do Índio, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), nos últimos quatro anos. Hoje, ele tem mais de 38 mil horas gravadas, que deram origem a seus filmes. Em 2014, ele lançou o primeiro documentário Mbya Rembiapo, sobre arte indígena e, depois, o filme Intercâmbio Cultural Guarani-Argentina, Paraguai e Brasil. “Pretendo fazer vários pequenos filmes, de 15, 20 minutos, para aproveitar as imagens que tenho”, disse.
O diretor do museu, José Carlos Levinho, explica que o projeto de documentação faz parte do esforço de registro de culturas indígenas para preservação e transmissão a novas gerações. O antropólogo acredita que o olhar dos próprios índios é diferenciado para o que é mais importante do ponto de vista da própria comunidade.
“O filme de Lucas Benites é isso: resultado do diálogo dentro da comunidade, sob a visão de mundo dele, que é completamente diferente da minha, por exemplo”, afirmou Levinho. Cada povo, explica, tende a se exprimir de um jeito no audiovisual. “Os kaiapó, que têm uma complexidade enorme nos rituais, registram tudo que acontece na aldeia. Já os guarani registram a fala, o discurso, que, para eles, é algo que merece atenção especial, não o cotidiano”, frisou.
Além do filme Arandu Ete, o Museu Nacional exibiu as produções Arandu Nhembo'e – Em busca do saber, de Alberto Alvares, que retrata a busca dos jovens da Terra Indígena Biguaçu, em Santa Catarina, pelo modo de ser guarani (nhande reko) e o documentário Karai ha'egui kunhã karai 'ete – Verdadeiros líderes espirituais, sobre o líder guarani Alcindo Moreira, de 104 anos, e sua mulher Rosa Poty-Dja, da mesma terra indígena.
As atividades relacionados aos índios, que incluem a mostra Os Guaranis no Século 21, relato de lendas e apresentação do coral guarani, se estenderão por todo o primeiro semestre no Museu do Índio, incluindo a exibição dos vídeos feitos pelos cineastas indígenas.