A esterilidade da agressão verbal

Navegando pelo Facebook algumas semanas atrás, deparei-me com uma acalorada discussão a respeito de um comentário postado por um comediante no Twitter, dizendo ser impossível alguém “com estudo” votar em determinado candidato: essa pessoa devia “estar ganhando algo”, dizia ele. O resultado foi uma avalanche de internautas “gabaritados” respondendo votar em tal candidato apesar de não ganharem nenhum centavo por isso. Não dou “nome aos bois” porque meu objetivo aqui não é discutir – e muito menos sustentar – o apoio político a esse ou àquele partido, mas refletir sobre a forma com que se costuma fazer isso.

Comunicação. Foto: Ivan Prole/Free Images

Quem nunca presenciou discussões – não só sobre política – que descambaram para a agressão verbal? No trabalho, na escola, na universidade, na vizinhança, nas redes sociais, entre outros ambientes que frequentamos diariamente, não é raro nos depararmos com afirmações taxativas, cheias de adjetivos negativos, generalizações, ridicularizações... O resultado são conversas infrutíferas, mágoas e relacionamentos rompidos, quando o objetivo de um verdadeiro processo de diálogo deveria ser a troca de ideias, a argumentação racional e o enriquecimento mútuo advindo do contato com toda a diversidade de pontos de vistas possíveis sobre um mesmo assunto.

A aceitação dessa multiplicidade é imprescindível para que a política torne-se efetivamente um instrumento de construção do bem comum. Evidentemente, nesse processo, sobretudo em nível institucional, há que se eleger prioridades e, consequentemente, fazer renúncias. Mas a qualidade dessas escolhas é diretamente proporcional à nossa capacidade de assumir a realidade em toda a sua complexidade, sem recorrer a simplificações maniqueístas. E isso ocorre na exata medida em que estamos dispostos à escuta aberta e ao acolhimento recíproco.

Isso não significa abrir mão de enxergar “a vida como ela é”, com suas contradições e jogos de interesse. Pelo contrário, trata-se de recorrer à lente de aumento de uma comunicação honesta e não-violenta, justamente para compreender melhor todas as problemáticas envolvidas nas opções políticas que fazemos como cidadãos e/ou como políticos eleitos.

Como vimos no recente episódio dos xingamentos dirigidos à Presidente da República durante o jogo de abertura da Copa do Mundo 2014, o recurso à ofensa, além de atentar contra a dignidade de outro ser humano, só serve para desviar o debate político daquilo que realmente importa: o projeto de sociedade que desejamos edificar. Cabe a cada um de nós decidir como fazer uso da liberdade de expressão. Mas esse direito tão caro à democracia foi muito duramente conquistado para ser desperdiçado com bravatas e palavrões, seja quem for o interlocutor.

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Sobre

Pensar e agir politicamente é como arrumar a casa. Podemos até não gostar do empenho requerido pela árdua tarefa, mas, se quisermos habitar um ambiente de paz e dignidade, é necessário cumpri-la. Cada ato nosso tem consequências para aqueles que compartilham conosco um bairro, uma cidade, um estado, um país. Para além das necessárias distinções entre as esferas pública e privada, a construção do bem comum só é possível por meio de interações saudáveis entre o Estado e seus diferentes poderes, a economia e a sociedade civil. A missão de desatar os nós desse complexo e fascinante emaranhado de relações cabe a todos nós.

Autores

Daniel Fassa

Formado em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (USP), Daniel Fassa é pós-graduado em Filosofia Política pelo Instituto Universitário Sophia (Florença, Itália), mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP e doutorando na mesma área pela PUC-Rio. É repórter da revista Cidade Nova e editor deste Portal.