Às vésperas da Copa do Mundo – e perto de completarmos um ano desde as Jornadas de Junho de 2013 – vemos uma intensificação das manifestações de rua em todo o país. Movimentos sociais e diversas categorias profissionais têm aproveitado a proximidade do megaevento esportivo para mostrar, literalmente para todo o mundo (nem sempre com os métodos mais adequados), suas insatisfações e reivindicações.
“Não vai ter Copa”, bradam alguns, “da Copa eu abro mão, quero dinheiro para saúde e educação”, reclamam outros. Isso sem falar da famosa fórmula “reivindicação + padrão FIFA”, usada e abusada nos últimos tempos para explicitar o anseio popular por serviços públicos de qualidade. São frases de efeito com forte potencial agregador, sobre cujos fundamentos deve-se, no entanto, refletir.
Rio de Janeiro-RJ, 15/04/2014- Manifestantes, em apoio aos ex-moradores do prédio da Oi, no Engenho Novo, zona norte da capital fluminense, protestam em frente a sede da prefeitura do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil
Reportagem publicada na última sexta (23) pela Folha de São Paulo demonstra que os gastos totais com a Copa representam apenas 9% do total investido anualmente em educação no Brasil. O texto também afirma, entre outras coisas, que boa parte do total de R$ 25,8 bilhões gastos com o mundial foi destinada a obras de infraestrutura ou será devolvida aos bancos estatais com a quitação dos empréstimos concedidos para a construção de estruturas como, por exemplo, o Itaquerão.
O que explica, então, o atual clima de descontentamento? Provavelmente o fato de que, diante da complexidade de nossos problemas socioeconômicos, a organização de uma Copa do Mundo parece um luxo que o Brasil não pode se permitir no momento. Num país em que menos de 50% da população têm acesso à coleta de esgoto – um dos inúmeros problemas que perpetuam nossas escandalosas desigualdades sociais – o investimento de dinheiro (ainda que proporcionalmente “pouco”) e esforços na organização de uma grande festa esportiva não deveria ser prioridade.
É verdade que o tempo de dizer “não vai ter Copa” ficou para trás em 2007, quando o Brasil foi confirmado como sede. Desde aquele momento, não restou outra opção a não ser organizar e realizar o evento da melhor maneira possível. Mas a aceitação do inevitável não é um convite à passividade. Tudo o que tem ocorrido para que a bola role no dia 12 de junho é, no mínimo, um convite à reflexão. O demonstram os Comitês Populares que continuamente denunciam e tentam evitar os efeitos colaterais da Copa, como, por exemplo, a ameaça de remoção de 170 mil famílias pobres para a realização de obras de infraestrutura. Nunca é demais perguntar: se houve ou haverá um legado, ele será para quem? Se as obras em andamento eram tão importantes, por que foi necessário ter a desculpa de uma Copa do Mundo para realizá-las?
A efervescência social que temos vivido, sobretudo depois de 2013, parece indicar a consolidação de uma nova fase da nossa história. Já não nos basta a democracia reconquistada em 1989, cinco anos depois que milhões de brasileiros foram às ruas pedir Diretas Já; tampouco é suficiente ter a possibilidade de derrubar um Presidente da República quando necessário, como fizeram os Caras Pintadas em 1992. Da polifonia que emana das ruas, emerge uma clara mensagem: é necessário colocar todas essas conquistas a serviço de uma Política que garanta os direitos e a dignidade de cada brasileiro.
Temos diante de nós o grande desafio – e o dever – de trabalhar para que isso aconteça: inserindo-nos nas diversas instâncias de participação hoje disponíveis (e criando novas), como os conselhos setoriais, o orçamento participativo e os projetos de lei de iniciativa popular; participando de organizações da sociedade civil em defesa de causas importantes para o país; fazendo escolhas de consumo consciente; apoiando projetos de economia cooperativa, ética, solidária, fraterna; pressionando a classe política, de maneira inteligente e pacífica, em momentos críticos; e, obviamente, fazendo escolhas conscientes nas eleições e acompanhando regularmente o trabalho de nossos representantes. Precisamos, em suma, que nossa participação seja sempre mais “padrão FIFA”.