Quanto vale a vida de um cidadão do seu país? E se ele for um oficial do Exército? E se, além de soldado, for um desertor? E quanto vale a prisão de cinco suspeitos de terrorismo? É possível medir com alguma objetividade o valor de tudo isso para a tomada de decisões em situações extremas? As inúmeras possibilidades de resposta a indagações como essas deram origem a verdadeiras escolas de pensamento ético e político nos últimos séculos, e levaram, com certa frequência, o debate para longe da realidade concreta. Filósofos respeitáveis – e contestáveis – como Benthan, Kant e Mill se debruçaram longamente sobre questões desse gênero em suas produções bibliográficas. Nenhum deles, porém, foi obrigado a se confrontar com um dilema dessas proporções em uma dimensão que ultrapassasse o plano teórico. Barack Obama foi.
O presidente dos Estados Unidos se deparou nas últimas semanas com estas perguntas e, de alguma forma, teve que encontrar respostas para elas. Encontrou, tomou a decisão e agora enfrenta, como não poderia deixar de ser, uma enxurrada de críticas. Obama optou por uma perspectiva mais kantiana, menos consequencialista. Colocou o valor da vida do sargento Bowe Bergdahl acima de outras ponderações e decidiu salvá-la, assumindo o custo político e ético da libertação de cinco suspeitos de terrorismo que estavam detidos em Guantánamo.
Respeito a chiadeira dos republicanos. Seus questionamentos são legítimos e requerem atenção. Eles repudiam a decisão do presidente democrata por dois motivos básicos: ela abre um precedente de negociação com células terroristas e dá margem para futuros sequestros de militares ou civis norte-americanos, uma vez que mostra aos inimigos que Washington está disposta a negociar e, eventualmente, ceder; o segundo motivo diz respeito ao mal em potencial que a libertação dos cinco suspeitos pode provocar no futuro. Quantas vidas podem ser ceifadas em ataques promovidos por esses indivíduos? Não sabemos. Partindo desses questionamentos, Obama teria agido de forma inconsequente, optando pela convicção em detrimento da responsabilidade.
Será? Não necessariamente. Se é verdade que a decisão de Obama pode incentivar futuros sequestros, é também verdade que, ao não negociar e deixar seus militares à deriva, o presidente dá um sinal ao seu próprio povo e aos seus soldados o quão pouco valem suas vidas e até onde o governo está disposto a ir para protegê-los. Além disso, não é necessariamente verdade que, agindo de outra forma, Obama esteja coibindo novos sequestros. Bush não negociava e seus militares continuaram sendo vítima desse tipo de crime.
O segundo questionamento é ainda mais frágil. Em primeiro lugar, os prisioneiros eram suspeitos, portanto pesa em seu favor o benefício da dúvida, ao menos é isso que se propaga no “free world”, como dizem os gringos. Além disso, eles estavam em Guantánamo, que não é exatamente o paraíso dos direitos humanos. Mas digamos que eles sejam, de fato, terroristas e que tenham a intenção de agredir Washington. Ainda assim, seria desejável mantê-los presos à custa da vida de Bergdahl (ainda que sobre ele pese a suspeita de deserção)? Seria este o meio ideal de se alcançar a prevenção contra uma agressão? Não acredito. Há outras formas, que não precisam sacrificar vidas, e podem alcançar um bom nível eficácia. A inteligência norte-americana, aliada aos recursos técnicos e à cooperação internacional, está aí para provar isso. O risco à vida do sargento era concreto e imediato, enquanto o perigo que os prisioneiros de Guantánamo representam é hipotético e relativamente abstrato. Entre o certo e o duvidoso, Obama fez sua escolha.