O debate sobre a redução da maioridade penal jamais silenciou na sociedade brasileira. Independentemente das intenções do Congresso Nacional, normalmente oportunistas, o tema surge com mais ou menos força diante das ofertas de crimes praticados por menores. E, claro, do quanto eles são veiculados na grande imprensa. O problema é que, em geral, se confunde impunidade com proteção integral do adolescente, conforme rege o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Numa legislação bem calibrada e colocada em prática com o rigor necessário, seria possível combinar os dois aspectos: resguardar as garantias necessárias a esta faixa da população, assim como punir de maneira contundente aqueles que cometem crimes hediondos (homicídio, latrocínio, estupro...). No Brasil, porém, não se faz nem um nem outro. O adolescente é tanto vítima da violência diária, como “beneficiário” da aberração do limite máximo de três anos de internação (com direito a sair com ficha limpa quando fizer 18) – mesmo que tenha tirado a vida de alguém.
Diminuir para 16 anos é um caminho para tentar estreitar este gargalo da impunidade. Uma maneira de dizer a este “jovem adulto” que, caso cometa um assassinato, a pena não será de três anos, mas, algo acima dos dois dígitos. Justo? Acho que nem vem ao caso discutir o nível de independência moral de meninos e meninas entre 16 e 18 anos... Quando interessa, são representantes do frescor de uma sociedade. Na aplicação da lei brasileira, no entanto, o horizonte já é bem mais conservador: são seres inimputáveis.
A turma contra redução se apega, entre outros argumentos, nas tais cláusulas pétreas da Constituição. A maioridade penal seria parte do núcleo irredutível da Carta, dizem. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, já avisou que PEC (Proposta de Emenda à Constituição) é plenamente possível. Não teria impedimentos legais. Mas também lembrou: “Não vamos dar uma esperança vã à sociedade, como se pudéssemos ter melhores dias alterando a responsabilidade penal, uma faixa etária para se ser responsável nesse campo. Cadeia não conserta ninguém.”
A declaração do magistrado explicita outra confusão típica no senso comum. De quem vê a redução da maioridade penal como uma arma para combater o crime e diminuir os imensos problemas de segurança pública. As estatísticas provam justamente o contrário: segundo dados da Unicef, dos 50 mil homicídios cometidos anualmente no Brasil, apenas 1% tem autores com idade inferior a 18 anos. Isso é o suficiente para tirar o mérito da medida, que agora ruma para o plenário da Câmara?
Eis uma questão difícil de responder.
O melhor cenário, sem dúvida, seria vibrar com legisladores concentrados em debater propostas eficientes para melhoria da segurança pública. Ou encontrando maneiras de fomentar uma juventude para atividades que não fossem a criminalidade. Temos, no entanto, uma matéria de peso elementar, sem dúvida, mas com efeitos práticos pouco substanciais.
Em 2005, eu trabalhei na Febem, antes de virar Fundação Casa. Meu vínculo não era com a instituição, mas como uma ONG de nome Fique Vivo – que nasceu dentro do curso de psicologia da USP. Dava aula de rádio para meninos internados no Complexo do Tatuapé. O que presenciei tem relação com o atual debate sobre a redução da maioridade penal. Havia uma parcela considerável de “laranjas” que usufruíam dos três anos de privação de liberdade, mesmo tendo cometido crimes graves. E contavam vantagem sobre isso.
Mas, por outro lado, uma grande parte de adolescentes não precisava estar ali, presos, fora do convívio social. Eram vítimas da mais completa inabilidade da Justiça – que prefere internar a buscar penas alternativas. O filme De Menor, de Caru Alves de Souza, amplifica este tema com brilhantismo.
Mas onde quero chegar? A lei, posta numa sociedade democrática (portanto, consensual), estabelece premissas, hierarquiza valores, dá a noção exata do papel do Estado em nossas vidas, assim como garante liberdades. Saber que um jovem de 16 anos é “adulto” perante a ela faz da nossa sociedade melhor? Não acredito. Mas ser contra a redução da maioridade penal me parece ignorar um vazio que há na legislação atual. Que é incapaz de julgar a barbárie. E que transforma a dor de famílias num calvário eterno.