O problema dos arrastões nas praias do Rio está sendo tratado pela imprensa e pelas autoridades públicas de uma forma um pouco equivocada, disse ontem (24) o cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), João Trajano, especialista em segurança pública.
O cientista político João Trajano condena operações nos ônibus para evitar arrastões nas praias. Foto: Divulgação
Segundo ele, as pessoas têm o direito de curtir o seu lazer nas praias com segurança e tranquilidade, como também os comerciantes, que são obrigados a fechar as portas dos seus estabelecimentos, com medo de invasão e saques.
No entanto, ele afirma que "a impressão é que esses episódios [arrastões], provocados por grupos muito reduzidos de jovens, meninos e garotos, acabam tendo uma abordagem muito maior do que deveria, com a dimensão que as autoridades dão aos fatos”, afirmou.
Ele disse ainda que essas abordagens em torno dos episódios de violência evidencia “uma certa discriminação e um certo estigma, direcionados para um determinado segmento da sociedade”. “Então, o governador [Luiz Fernando Pezão] e o secretário de Segurança Pública [José Mariano Beltrame] têm defendido as blitzes nos ônibus que saem em direção às praias. Eu, pessoalmente, acho que essas blitzes são indefensáveis, indesejáveis e ineficazes”.
O cientista político entende que as medidas são indefensáveis, porque de antemão está punindo quem se supõe que vai cometer crimes. “São jovens dos subúrbios, todos têm a mesma origem, são negros e pobres”, afirmou. De acordo com o professor, existem situações que implicam em 20, 30 garotos, em que não sabe de onde são. “Serão eles que têm promovido arrastão e baderna? São necessariamente os garotos que vêm nos coletivos, que você não consegue sequer dizer em que coletivos eles vêm?"
Para João Trajano, as autoridades deveriam fazer um esforço de inteligência, para investigar e verificar, entre os milhares de jovens, pobres, negros, moradores das periferias que querem legitimamente curtir o seu momento de lazer, quem são os poucos que estão cometendo ilícitos e tentar impedí-los "sem precisar de usar recursos vexatórios, estigmatizantes, humilhantes contra pessoas que só têm contra si o fato de serem objeto de estigma”.
Audiência Pública
Na última quinta-feira (24), a Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) fez uma audiência pública para debater o assunto e a implantação da Operação Verão, antecipada para este final de semana. O deputado estadual Jorge Felippe Neto (PSD-RJ) apresentou um projeto de lei que autoriza e regulamenta a abordagem e o acolhimento de crianças e adolescentes em situação de risco.
Ele destacou que uma das propostas do projeto é a de que, se a apreensão temporária para averiguação for feita pela polícia, os agentes deverão encaminhar imediatamente o adolescente para o órgão competente, para que os mesmos procedam à busca ativa da família nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente e que se identifique as situações de vulnerabilidade do menor.
Para o deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP-RJ), o projeto de lei não vai ajudar a conter os arrastões. “O que está faltando é segurança jurídica para que os policiais e a guarda municipal atuem. Como a polícia agora vai impedir os jovens que vão cometer esses crimes na praia? É preciso deixar um pouco a questão ideológica de lado e pensar na questão prática, e agir preventivamente”, disse.
O chefe de gabinete do comando-geral da Polícia Militar, coronel Ibis Silva Ferreira, ao falar durante a audiência, entende que esses jovens querem “visibilidade” e que a polícia sozinha não faz prevenção de arrastão. Segundo ele, isso deve ser resolvido com ações tanto de curto, quanto de médio e longo prazo.
“É óbvio que o fato delituoso, o crime em si, é um caso de polícia. Mas segurança pública, não. Ela é muito mais do que polícia. Esses jovens que cometeram esses crimes no final de semana são invisíveis. Se eles não tivessem feito o arrastão não estaríamos falando deles agora. O que está faltando não é só polícia, é política”, afirmou. “Se não pensarmos na questão social, vamos voltar daqui a 30 anos para continuar falando de novos arrastões”, acrescentou o coronel.