A pergunta que habita a história: "Onde está o teu irmão?"

És ainda aquele da pedra e da funda, homem do meu tempo. Estavas na carlinga, com as asas malignas, as meridianas de morte, – sim, te vi – dentro do carro de fogo, na forca, nas rodas de tortura. Sim te vi: eras tu, com a tua ciência exata dirigida ao extermínio, sem amor, sem Cristo. Mataste ainda, como sempre, como mataram os pais, como os animais que te viram pela primeira vez. E este sangue odora como no dia que o irmão disse ao outro irmão. «Vamos até aos campos (Salvatore Quasimodo).

Se o primeiro homicídio da história foi um fratricídio, então todo o homicídio é um fratricídioElohim não abandona o Adam, veste-o com peles (3,21). O humano não parte sozinho: é uma família que deixa o Éden. A primeira viagem humana nas dores da história não é uma viagem solitária; é um caminho feito em conjunto. Além das peles recebidas, o grande dom para enfrentar a noite do tempo e os tempos da noite é a companhia recíproca na viagem. Mesmo quando se atravessa a hora da desventura ou do...

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O caminho para casa: habitar o humano

“O jasmim de minha casa ficou completamente destruído com as chuvas e tempestades dos últimos dias; as suas florzinhas brancas flutuam em poças negras e lamacentas sobre o telhado baixo da garagem. No entanto, em algum lugar dentro de mim, o jasmim continua a florir imperturbável, com tanta profusão e delicadeza como sempre floriu”. (Etty Hillesum )

A sinfonia da vida – que no centro tem o ser humano e as relações de reciprocidade –interrompe-se bruscamente: entra em cena a dor e, depois, a morte. Passa-se isto no capítulo 3 do Gênesis e em todos os capítulos da nossa vida.

Já abundantes, os códigos simbólicos da narração tornam-se aqui riquíssimos e poderosos; alguns têm raízes em mitos ainda mais antigos do Oriente Médio ou estão com eles entrelaçados. Muitos significados simbólicos, demasiado “longínquos”, perderam-se para sempre; outros foram sendo acrescentados ao longo dos séculos, muitas vezes recobrindo com “estuque” ideológico traços e cores do fresco original que irradia a...

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De igual para igual: é assim desde o princípio

A morte, quando chegar, terá os teus olhos” (Cesare Pavese)

Não é bom que Adam esteja sozinho”. A criação fica completa quando aquela ‘coisa muito bela e muito boa’ – o Adam – se manifesta como realidade plural, quando se torna pessoa. É apaixonante e riquíssimo o ritmo do segundo capítulo do Génesis, desde Adam (o ser humano) até ao homem e mulher.

Inicialmente, Adam é colocado no jardim do Éden, cuida dele e cultiva-o: trabalha, portanto. Há duas árvores com nome: ‘a árvore da vida’ e ‘a árvore do conhecimento do bem e do mal’.

Adam pode comer os frutos da árvore da vida e das outras árvores; não pode comer os frutos da segunda árvore. É então que Elohim exclama: “Não é bom que Adam esteja sozinho”. E acrescenta: “vou dar-lhe uma companhia igual a ele” (2,18). Pela primeira vez, numa criação toda boa e bela, ainda, estamos perante um “não é bom”; refere-se à solidão, a uma carestia relacional. Tem então início uma das passagens mais sugestivas e fecundas do Génesis. Diante de Adam...

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Olhares em tempo de exílio

“Confrontei as suas antigas palavras e as minhas velhas perguntas com os acontecimentos da história, da cultura, da tradição. Isto é, usei a minha fé hebraico-cristã como chave de leitura; e mais convencido fiquei de que ela é hoje a única chave possível." (Sergio Quinzio).

No princípio não estava Caim. Existia algo de ‘bom e belo’ que no sexto dia, com o Adam, se tornou ‘muito bom e belo’ (Gén. 1,31). Era a bênção que pairava sobre o mundo criado. O início, o bereshit, o princípio da terra, dos seres vivos e dos humanos é bondade e beleza; mostra qual é a vocação mais profunda e verdadeira da terra, dos seres vivos, do homem e da mulher.

E mostra-nos também que a terra é viva porque está dentro de uma relação de amor e reciprocidade; que são vivas também as montanhas, as pedras, os rios. De contrário, os outros seres, que dizemos vivos, estariam circundados pela morte; e a pouca vida existente haveria de ser muito triste (como, aliás, deve parecer a quem já não sabe ver esta vida).O...

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Viagem ao final da noite

Ouvistes falar daquele louco que à clara luz da manhã acendeu uma lanterna, correu ao mercado e pôs-se a gritar incessantemente: ‘Procuro Deus! Procuro Deus!’. E visto que precisamente lá se encontravam reunidos muitos dos que não acreditavam em Deus, suscitou grandes risadas” (F. Nietzsche, Assim falava Zaratustra ou Zoroastro).

Há períodos da história em que os povos se dão conta de que as coisas antigas já passaram, que um certo ‘mundo’ está acabando e o desejo de coisas novas é muito forte. O tempo que vivemos é um desses momentos. É, certamente, o que se passa com a Europa, ao atravessar uma grande noite cultural que, mais cedo ou mais tarde, irá passar, mas sem sabermos ainda com que custos e desfecho.

É preciso iniciar uma ‘viagem ao final da noite’, mas que só poderá começar se tivermos a esperança coletiva de que esta noite acabará por desembocar numa aurora. Solidões, tristeza, indiferença recíproca, insensibilidade para com os pobres, não podem ser as últimas palavras da...

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A alternativa à economia de domínio não é uma utopia

Estamos todos sofrendo as consequências da escassez de comunhão. Corremos o risco de nos habituarmos à sua falta e de deixarmos, por isso, de a desejar. É dentro das comunidades que a comunhão acontece, embora o contrário não seja necessariamente verdadeiro: poderão existir – e existem de facto – comunidades nas quais não há qualquer forma de comunhão entre pessoas, onde o dom se torna obrigação, sem liberdade ou gratuidade. Os estudos sobre a felicidade e bem-estar subjetivo dizem hoje muito claramente que a principal causa de felicidade das pessoas é a vida de comunhão, a partir da primeira célula de comunhão que é a família. A qualidade de vida depende decididamente da qualidade dos relacionamentos a todos os níveis, incluindo a experiência fundamental de comunhão que é o trabalho.

É errado pensar que a comunhão só é possível em relacionamentos íntimos e familiares: a comunhão é a vocação mais profunda e verdadeira dos seres humanos em todos os âmbitos onde o humano se exerce....

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Sobre

A gratuidade entendida como dom é uma dimensão constitutiva da vida e do ser humano, também do "homo economicus". Virtudes como gratuidade, liberdade e respeito pela pessoa encontram-se nas origens da economia (séculos 8 e 9). Hoje, reintroduzir a gratuidade na economia significa inverter a lógica do lucro para recolocar no centro os mais pobres, a pessoa e suas motivações, sua dignidade, ideais, sentimentos. Neste blog, Luigino Bruni faz uma leitura da economia atual, à luz dessas reflexões. Na primeira série de textos deste ano, intitulada "A árvore da vida", o autor busca explorar as reflexões econômicas e civis suscitadas pelo patrimônio cultural judaico-cristão.

Autores

Luigino Bruni

Professor de Economia Política da Universidade Lumsa de Roma e do Instituto Universitário Sophia. Seus principais temas de pesquisa são reciprocidade, felicidade na economia, bens relacionais, Economia de Comunhão, Economia Civil e Economia Social.