Quando a praça da cidade se transforma num deserto

O nosso bem-estar depende muito da qualidade das instituições. Matrimónio, universidade, bancos, Estado, Igreja e sindicatos, são realidades evidentemente muito diferentes mas com algo em comum, porque todas são instituições. Características das sociedades paralisadas em "ratoeiras sociais" são: por um lado, instituições ineficientes e corruptas; e, por outro, uma alta percentagem de pessoas com baixo ou nenhum sentido cívico e institucional. Uma tenaz mortífera, muitas vezes decisiva, que provoca sofrimento a toda a gente e empurra para a emigração os melhores jovens, atraídos por melhores instituições em outros Países. A história e o presente dos povos mostram-nos que, sem as instituições apropriadas, as sociedades não criam prosperidade generalizada e bem-viver social.

A vida das pessoas é pobre e os povos entram em declínio quando as sociedades criam, selecionam e alimentam instituições que o economista Daron Acemoglu e o politólogo James Robinson designam como "extrativas"....

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A boa cidade de gente diversa e a Babel das castas fechadas

Comunidade, uma das palavras mais ricas, fundamentais e ambivalentes do nosso vocabulário civil, está a sofrer uma mutação radical. A comunidade verdadeira sempre foi uma realidade tudo menosromântica, linear, simples, porque nela se concentram as paixões mais fortes e profundas da natureza humana, lugar de vida e de morte. Jerusalém é chamada ‘cidade santa’, mas o fundador da primeira cidade foi Caim e o mito faz nascer Roma (e muitas outras cidades) de um fratricídio.

Sem perigosas reduções ideológicas, a comunidade só poderá ser descrita se habitarmos e não recusarmos esta suaambivalência original. É o que sugere a raíz latina do termo: communitascum-munus, já que o munus é, a um tempo, o dom e a obrigação, o que é oferecido e o que deve ser dado ou restituído, o ato gratuito mas também os munera, quer dizer as tarefas, deveres e compromissos, a gratuidade que evolui para o que é dever. É esta mesma tensão semântica e social que encontramos no bem comum e nos bens comuns que...

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A não-elite que é preciso ouvir

Existe um clima de otimismo em Davos 2014. Olha-se para a grande crise pós-2008 como uma realidade já superada, a ser arquivada nos livros de História e nas gavetas das recordações tristes das famílias e dos povos. É pena que este otimismo não tenha bases sólidas sobre as quais se apoiar. Como tal, a pergunta crucial torna-se a seguinte: por que razão Davos quer oferecer à opinião pública um quadro da economia diferente daquele que está bem presente na grande maioria das pessoas? 

A resposta está inscrita na lista dos protagonistas do “World Economic Forum”, composta pelos líderes da finança mundial e dos grandes lobbies transnacionais, juntamente com os representantes políticos e das instituições económicas que desempenham, na prática, o papel de espetadores e, às vezes, de clientes. Elites cuja representatividade é muitíssimo reduzida. A economia capitalista não é uma questão democrática, ou seja, não votam as cabeças, mas os capitais. Em simpósios como este pode tocar-se...

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Há que sair da economia de Flatland para voltar a gerar futuro

Estamos dentro de um eclipse do tempo. A lógica da economia capitalista – e a sua cultura que está dominando, sem contestação, grande parte da vida social e política – não conhece a dimensão temporal. As suas análises custo-benefício cobrem poucos dias, meses; alguns anos, na hipótese mais generosa. Na verdade, uma tendência radical deste capitalismo é o progressivo encurtamento do arco temporal das opções económicas e, consequentemente, políticas cada vez mais orientadas pela mesma cultura economicista.

A revolução industrial primeiro, a informática depois e, por fim, a financeira retiraram tempo às opções económicas, até chegar às frações de segundo de algumas operações altamente especulativas. E no entanto – como dizia Luigi Einaudi – "na Idade Média o que se construía era para a eternidade"; agia-se e pensava-se num horizonte infinito que estava sempre presente e orientava as escolhas concretas; desde honrar contratos até arrependimentos e legados na hora da morte de mercadores...

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Temos que acreditar nos mansos: eles têm as chaves do futuro

As palavras que nunca envelhecem são as que conseguem morrer e ressuscitar em todas as épocas. A mansidão é uma delas; era já muito grande nos salmos, no Evangelho e nas antigas civilizações orientais; os grandes mansos da história fizeram-na ainda mais sublime: o Padre Kolbe, muitos mártires de ontem e de hoje, Gandhi...; e tantos outros desconhecidos dos noticiários que com a sua humilde mansidão todos os dias tornam melhor a terra de todos nós.

A mansidão é a resposta virtuosa ao vício da ira que, como em nenhum outro tempo, domina hoje o espaço público, tornando mau o ambiente nos nossos locais de trabalho, nas reuniões de trabalho, de condomínio, no trânsito urbano, nas reuniões políticas. Se não existissem os mansos, a nossa ira produziria muitas mais guerras e feridas que tornariam as cidades impossíveis de habitar: seriam dominadas pela reciprocidade de Lameque (1); haveria assassínios por causa de um risco na parede feito por crianças.

A mansidão de poucos cura e acode à ira...

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Um mundo a recomeçar a partir da mulher e do “Tu”

"A crise fez tantos e tão grandes desmentidos a previsões – na aparência rigorosamente científicas – avançadas por economistas que não deveremos admirar-nos que alguém se tenha sentido autorizado a proclamar a bancarrota da Economia política ... A tais vozes, por certo caluniosas, não veio a faltar uma atenuante: muitos economistas pecaram por falta de modéstia”. Estas palavras de Robert Michels, politólogo e autor do primeiro livro com o título “Economia e felicidade” (1917), foram pronunciadas em 1933, mas parecem dos nossos dias.

A falta de modéstia, ou soberba, não é prerrogativa apenas da ciência económica; é uma nota antropológica universal. Em certas épocas, porém, a comunidade dos economistas foi afetada por uma imodéstia especialmente obstinada e difusa. Perante evidentes deficiências e erros da sua disciplina, em vez de se deixarem pôr em crise pela força dos factos e, humildemente, reverem antigas certezas e dogmas, obstinadamente reenviaram as críticas ao remetente. É o...

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Sobre

A gratuidade entendida como dom é uma dimensão constitutiva da vida e do ser humano, também do "homo economicus". Virtudes como gratuidade, liberdade e respeito pela pessoa encontram-se nas origens da economia (séculos 8 e 9). Hoje, reintroduzir a gratuidade na economia significa inverter a lógica do lucro para recolocar no centro os mais pobres, a pessoa e suas motivações, sua dignidade, ideais, sentimentos. Neste blog, Luigino Bruni faz uma leitura da economia atual, à luz dessas reflexões. Na primeira série de textos deste ano, intitulada "A árvore da vida", o autor busca explorar as reflexões econômicas e civis suscitadas pelo patrimônio cultural judaico-cristão.

Autores

Luigino Bruni

Professor de Economia Política da Universidade Lumsa de Roma e do Instituto Universitário Sophia. Seus principais temas de pesquisa são reciprocidade, felicidade na economia, bens relacionais, Economia de Comunhão, Economia Civil e Economia Social.