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Há pouco mais de uma semana, o Brasil conseguiu mais uma vez retroceder na questão ambiental ao não assinar o Protocolo de Nagoya. Instrumento importante para a conservação e uso sustentável da biodiversidade, ele entrará em vigor em outubro após ter sido ratificado por 51 países. O principal aspecto do acordo é regulamentar o acesso aos recursos genéticos e o compartilhamento de benefícios da biodiversidade.
A justificativa para ficar de fora? A possível dificuldade que o protocolo iria criar para o agronegócio, pois seus principais produtos, como a soja, são baseados em espécies animais e plantas não nativas do Brasil, trazidas originalmente de outros países. O voto contrário, dado principalmente pela “bancada ruralista” do Congresso pressionada pelos grandes proprietários, foi contestado por diversos especialistas, por ser um argumento infundado, já que o acesso a alimentos não será determinado pelo protocolo, mas pela legislação do país de origem, assim como não é retroativo. Não é o protocolo que vai definir quanto vai se pagar, ele apenas prevê que é preciso garantir a legalidade do acesso.
O assunto pode parecer maçante e sem consequências diretas para o dia a dia. Na verdade, ele deveria ser uma reivindicação geral, pois poderia trazer ao Brasil um estímulo à inovação e o acesso a tecnologias e pesquisas detidas, principalmente, por países desenvolvidos. Além, é claro, de garantir a preservação das riquezas naturais do país e dos conhecimentos de comunidades tradicionais.
Ou seja, caso assinasse o protocolo, o país iria participar das discussões do documento com direito a voto e, mais importante do que isso, iria garantir a repartição dos benefícios conquistados a partir da comercialização de produtos que utilizam recurso genético retirado da biodiversidade brasileira.
O país é o que mais poderia se beneficiar desta legislação, já que é o campeão em biodiversidade. Justamente por possuir esta “megadiversidade”, muitos fármacos e cosméticos utilizam moléculas de plantas brasileiras, como é o caso do jaborandi, usado no tratamento de glaucoma em medicamento patenteado pela alemã Merk. Cálculos ainda não comprovados mostram que 12% dos fármacos existentes no mundo utilizam recurso genético brasileiro.
Mesmo que o país não possa tirar proveito das pesquisas e descobertas já realizadas com recursos genéticos tupiniquins, a diversidade é tão grande que ele poderia se beneficiar de estudos futuros. E que, com certeza, acontecerão com ou sem protocolo.
No Brasil, um dos graves problemas para a biodiversidade é a biopirataria, que poderia ser minimizada com o protocolo. A falta de legislação específica para regular a biodiversidade é uma das causas das ações frequentes de biopiratas. Vale lembrar que biopirataria não é somente o contrabando de espécies, mas refere-se principalmente à apropriação e monopolização dos conhecimentos das populações tradicionais no uso dos recursos naturais. Estas populações estão perdendo o controle sobre esses recursos.
O caso mais emblemático de biopirataria no Brasil aconteceu na Amazônia, região brasileira com grande biodiversidade e que sofre com estas ações ilegais. Em 1876, o britânico Henry Alexander Wickham contrabandeou 70 mil sementes de seringueira de Santarém, no Pará, para o Royal Botanic Gardens, em Londres. No Reino Unido, Wickham é Sir Henry, título de nobreza concedido pela rainha Victoria pelo “trabalho heroico” realizou por ele.
Uma tentativa de regular o acesso e a repartição dos recursos genéticos da biodiversidade é o Projeto de Lei 7735, que há anos está em negociação. No mês passado ele finalmente foi encaminhado ao Congresso, porém não se sabe se ele também será negado.
De qualquer forma, ainda dá tempo de o Brasil se “redimir” e assinar o Protocolo de Nagoya, apesar de não dar mais tempo de participar da primeira rodada de negociações, que acontecerá na Coreia do Sul em outubro. Mas para que isso aconteça será preciso passar pela aprovação no Congresso. Ou a sociedade pressiona agora ou espera até outubro para mudar a situação, votando de forma consciente.