A resposta ao descaso é a paz

Há poucos dias, folheando alguns livros ao acaso, me deparei com uma história bastante conhecida do filósofo dinamarquês Kierkegaard. O pequeno trecho, presente na sua primeira obra, fala de um palhaço que tentava avisar o público do fogo nos bastidores do teatro. As pessoas, pensando que fosse uma piada, riam e aplaudiam. Kierkegaard conclui com a seguinte frase: “Este é o modo, suponho, como o mundo será destruído - em meio à hilaridade universal de humor e jocosidade, que pensa que isso tudo é uma brincadeira”.

A conexão foi quase imediata. É assim que os ambientalistas se sentem. Apelidados de ecochatos e marginalizados ao tentarem defender um bem coletivo, eles parecem falar a uma audiência que ri e aplaude sem perceber que é ela quem está afundando no barco furado que acabou construindo para si.

O Dia Mundial do Meio Ambiente parece ser um exemplo do descaso que o tema ambiental enfrenta. Na mídia, a data foi praticamente ignorada e nas cidades, poucas ações se dispuseram, de fato, a conscientizar as pessoas dos problemas ambientais atuais.

A resposta a estes questionamentos é precisa e rápida: “Mas os ambientalistas exageram!” ou então: “Eles falam sempre as mesmas coisas”. Sim, o discurso é repetitivo. Porém, mesmo com a repetição exaustiva, a plateia parece não entender que a cada dia que passa o assunto se agrava um pouco mais. E, sim, é cansativo, pois, apesar da consciência ambiental ter se alargado, ainda são poucos os que colocam a mão na massa. Muitas vezes, é o cansaço que faz o discurso dessas pessoas endurecer. Outras, é a falta de recursos para levar adiante projetos de interesse coletivo. As palavras começam a adquirir tom mais duro e enérgico porque dura é a realidade que estas pessoas encontram, duras são as ameaças que sofrem e duro é o descaso com que são tratadas.

Na verdade, nós esquecemos que somos hóspedes e não donos do Planeta. Esquecemos que nossas atitudes simples, como usar menos copos descartáveis, têm reflexo no contexto global. Ignoramos, por exemplo, que o fim dos lixões, no âmbito da Política Nacional de Resíduos Sólidos, também é responsabilidade nossa. Ao assumirmos esta corresponsabilidade, deveríamos diminuir a produção de lixo orgânico adotando práticas baratas e simples de reciclagem, por exemplo. Pode parecer algo pequeno, mas já pensou se, neste momento, todos os habitantes da Terra jogassem um papel de bala no chão? Teríamos aproximadamente 8,75 milhões de quilos de papel ou 8.750 toneladas.

Porém, guardar um papel no bolso pesa mais do que joga-lo no chão. E assim, mantemos a tradição de que o bem coletivo não é responsabilidade nossa. Sem dúvida não podemos deixar as palavras endurecerem diante da falta de atitude ou da desqualificação. Como destaca um dos mais completos “tratados” ambientais, a Carta da Terra, “necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à comunidade mundial”. E entre estes princípios ou valores estão a compaixão, a compreensão e a paz. E o nosso maior desejo é que eles sejam ouvidos e vividos para que não precisemos mais de um dia para celebrar o meio ambiente, pois todos os dias serão dedicados também àquela que nos acolhe.

Para complementar esta reflexão, vale a pena ler estes dois textos, disponíveis aqui e aqui



Sobre

Estamos em processo de adaptação ao planeta Terra e ainda precisamos aprender a conviver e cuidar dele da mesma forma que cuidamos de uma criança ou um idoso. Ele é um sistema vivo, no qual todas as partes interagem, inclusive conosco. E o cuidado é essencial, mais do que a razão e a vontade. Mas para cuidar é preciso conhecer. Por isso, este blog se propõe dialogar sobre meio ambiente, destacando fatos importantes para quem quer ambientar-se ainda mais com a nossa casa.

Autores

Ana Carolina Wolfe

Formada em jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR), é repórter de Cidade Nova desde 2011. Começou a se interessar por meio ambiente em 2002. Desde então, se apaixonou pela “tradução” de temas ambientais ao público. Hoje, além de Cidade Nova, atua como assessora de imprensa em um centro de pesquisa voltado ao agronegócio e como diretora na ONG Florespi.