“Cara, hoje em dia a gente está vendo a importância de aprender de um jeito diferente. Se você percebe que tem pessoas demorando muito para aprender e falar uma língua, significa que tem alguma coisa errada”. É com um português na ponta da língua que Alphonse Nyembo Wanyembo, congolês de 29 anos, se entusiasma ao falar do Abraço Cultural, iniciativa baseada em São Paulo que coloca professores refugiados em contato com brasileiros que buscam aprender um novo idioma.
No curso intensivo que começa em julho e tem duração de um mês, as aulas de inglês, francês, espanhol e árabe adotam um eixo diferente daquele ditado pelos centros oficiais de ensino presentes em diversas cidades do país e colocam como centro as experiências culturais e a história oral. Assim, o inglês terá foco em cultura árabe e africana, que também será o caminho para ensino de francês. O espanhol vai olhar para América Latina e um professor de árabe vai explorar sua cultura.
Alphonse Nyembo Wanyembo, congolês de 29 anos, se entusiasma ao falar do Abraço Cultural. Foto: Ilana Goldsmid/Divulgação
Histórias de vida
Junto com o conhecimento teórico, os professores trazem consigo histórias de vida impressionantes. Nascido na região do lago Kivu, na fronteira entre a República Democrática do Congo e Ruanda, Wanyembo veio para o Brasil há três anos, deixando para trás um país em dificuldades econômicas, conflitos por pedras preciosas e ouro, além da perseguição política a estudantes.
A prática para ensinar inglês foi adquirida na formação em letras em uma universidade americana que levava professores para a África. Tão logo desembarcou em São Paulo, buscou revalidar o diploma. Nada feito. Decidiu então estudar engenharia e terminou recentemente um curso técnico de mecatrônica. Hoje divide o tempo entre aulas de francês (seu idioma nativo) e inglês dentro de empresas e o balcão de uma assistência técnica de eletrônicos.
A outra turma de inglês, com foco em cultura árabe, ficará a cargo de Wessam Alkourdi, sírio de 33 anos, que morava nas cercanias da capital do país, Damasco, até o dia em que se deparou com a entrada das forças armadas em seu bairro. Alkourdi decidiu que era hora de partir enquanto o país mergulhava na guerra civil entre rebeldes e tropas do governo do ditador Bashar al-Assad. Com a mulher, que estava grávida, foi para a Jordânia e lá ficou por um ano e cinco meses até que o país começou a dificultar a vida de imigrantes sírios. O Brasil apareceu como o opção.
Mesmo sem falar nada de português, mudou-se com a família para São Paulo por conta do mercado de trabalho. Hoje frequenta a Mesquita do Brasil, no bairro do Cambuci, na zona sul da cidade, e trabalha em um comércio árabe na região do ABC. Formado em administração de empresas, Alkourdi já morou em Londres e também estudou música na Academia Russa de Damasco. Na pressa de fugir da Síria, acabou deixando o violão para trás, mas pretende levar a música para suas aulas e apresentar instrumentos como a tabla (percussão) aos estudantes brasileiros.
O professor sírio Wessam Alkourdi. Foto: Ilana Goldsmid/Divulgação
“Claro que trataremos da gramática e dos tempos verbais, mas falaremos também sobre música, comida e hábitos sírios. Vamos fazer ainda atividades fora da sala de aula, como visita a restaurantes e museus”, descreve.
O curso de idiomas começou a nascer após a realização, em 2014, da Copa do Mundo dos Refugiados, uma ação das ONGs Atados e Adus (Instituto de Reintegração dos Refugiados). O evento reuniu imigrantes de diferentes nacionalidades que, por motivos de guerra, perseguição política, religiosa e étnica, deixaram seus países para começar uma nova vida no Brasil.
“Nessa ocasião, muita gente teve um primeiro contato com os imigrantes e se interessou em aprender mais sobre eles. Foi o primeiro estalo que veio na nossa cabeça”, diz André Cervi, fundador do Atados. O curso acabou ganhando forma no começo de 2015, quando Cervi participou, ao lado do parceiro Daniel Morais, de um curso de gestão de projetos colaborativos. “Ali lançamos de novo a ideia e foi formada a primeira equipe a trabalhar com o projeto”.
Após essa primeira experiência com o curso intensivo em julho, o Abraço Cultural pretende ampliar seu escopo e oferecer capacitação para outros refugiados para que eles consigam trabalhar na própria instituição ou em empresas. Além disso, de acordo com Cervi, existe a chance de abrir espaço para mulheres oferecerem cursos de culinária.
Para mais informações, viste o site www.abracocultural.com.br e o grupo no Facebook.