O prêmio Nobel de 2015 conferido a Angus Deaton pelo seu trabalho sobre desenvolvimento econômico, bem-estar e desigualdade, sobre consumo e sobre os determinantes da pobreza é um sinal muito importante: depois de alguns anos em que, em plena crise financeira, Estocolmo e seus consultores continuaram a premiar economistas que tinham estudado e promovido a economia e as finanças, ajudando a criar a crise, com o prêmio de Nobel para Deaton volta-se a premiar, no espaço mais importante para a ciência contemporânea, cientistas sociais destacados, continuadores da ciência política ou civil, que está na origem da economia moderna.
Angus Deaton venceu o Prêmio Nobel de Economia 2015. A justificativa foi “sua análise do consumo, pobreza e bem estar”. O anúncio foi feito na manhã do dia 12 de outubro, em Estocolmo, na Suécia. Foto: Nobel Prize
A política de Estocolmo foi um tanto bizarra nos últimos anos: de 2010 a 2013, enquanto o capitalismo corria o risco de implodir numa crise financeira sem precedentes, os prêmios Nobel de Economia foram conferidos a alguns dos principais economistas teóricos desse paradigma econômico e financeiro, o qual foi mostrando todos seus limites dramáticos. Como se, durante um verão com o maior número de incêndios dolosos jamais registrados antes, fossem concedidos prêmios para quem estivesse estudando técnicas sofisticadas de ignição avançada de fogo.
É por isso que este Nobel e também, em diferentes medidas, o do ano passado, conferido ao francês Jean Tirole, poderiam apontar uma primeira inversão de tendência, sendo Deaton mais parecido com prêmios Nobel como Amartya Sen, Joseph Stiglitz, Elinor Ostrom do que com os mais recentes Eugene Fama e Lloyd Stowell Shapley.
Não podemos nos esquecer de que a crise financeira e econômica que vivemos no passado e que ainda estamos vivendo não é independente da teoria econômica das últimas décadas, porque, diferentemente dos astrofísicos, cujas teorias não alteram as órbitas dos planetas, os economistas e suas teorias condicionam muito as decisões econômicas. Nos últimos anos, os melhores departamentos de economia no mundo estavam cheios de economistas cada vez mais matemáticos, com uma formação humanista cada vez mais escassa, especialistas em modelos hiper-especializados e não mais capazes, em grande parte, de ter uma visão de conjunto do sistema econômico e, portanto, de associar seus modelos à realidade econômica e social.
Além disso, o prêmio a Deaton, que segue o dado Tirole, pode indicar um retorno a uma teoria econômica mais europeia, mais atenta à dimensão social da profissão, com maior sensibilidade para as questões de bem-estar coletivo, e não apenas de lucro e rendimentos pessoais. Essa possível aurora chegará ao meio-dia se os próximos prêmios Nobel virem mais economistas filósofos e menos economistas matemáticos, como escrevia em 1991 o economista inglês Robert Sugden: “O economista hoje deve voltar a ser mais filósofo e menos matemático". Um convite que não foi acolhido pela profissão, mas talvez ainda dê tempo.
Além disso, Angus Deaton é ainda um economista que sabe escrever livros, e não só artigos matemáticos. Recomendo a todos a sua obra mais recente, The great escape (“A grande fuga”), em que o recém-premiado se pergunta, como autêntico cientista social e legítimo herdeiro do seu compatriota Adam Smith (filósofo e economista), se a humanidade conhecerá no futuro uma época de progresso sem desigualdade, uma questão fundamental quando, hoje, pagamos a taxa de progresso com uma crescente desigualdade no mundo e uma diminuição da felicidade. A economia poderá voltar a ser uma ciência moral amiga da sociedade se voltar a se pôr perguntas semelhantes, logo abandonadas para responder a outras perguntas muito mais fáceis e muito menos úteis ao progresso humano.