Acabei de ler Sapiens, de Yuval Noah Harari. É mais uma “breve história da humanidade”, entre as várias que apareceram nas livrarias nos últimos anos. E como as precedentes, tem o seu valor. Tem predicados e defeitos.
Yuval Noah Harari. Foto: Divulgação
Começa com o que sabemos até hoje sobre o aparecimento do homem na terra. E, mesmo assim, as notícias divulgadas em setembro sobre a descoberta de um novo fóssil humano na África do Sul colocam em cheque as conclusões obtidas até bem pouco tempo atrás. Ao que parece, houve outra espécie circulando pelo planeta ao mesmo tempo que nossos antepassados homo sapiens: o homo nalendi.
Foi interessante ler Sapiens agora e, por conta do livro, mergulhar na trajetória da humanidade até esse nosso não menos desafiador século XXI. Há uma conexão explícita entre fatos muito antigos e outros atuais e decisivos.
As enormes mudanças climáticas originaram grandes ondas migratórias que mudaram a face da terra. Hoje estamos novamente no epicentro de novos desafios climáticos, mas a causa do enorme deslocamento de povos está nas guerras, na fome, na falta de oportunidades em enormes áreas do globo.
A diferença é que hoje a terra não é mais um imenso planeta desabitado. Para sair de um lugar e entrar em outro é preciso pedir licença. E nem sempre as portas se abrem. Pelo contrário, cercas e muros são erguidos.
Choca qualquer um ouvir Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria – país que viveu na história recente a experiência de querer cruzar as próprias fronteiras em busca de vida melhor –, afirmar que nega a entrada de imigrantes para proteger as raízes cristãs do seu país. Na suposta defesa de uma religião, viola-se os seus mandamentos fundamentais.
Os grandes deslocamentos humanos que ocorreram na história mudaram para sempre o destino de povos. A Alemanha de Angela Merkel parece ter entendido isso. Merkel sabe que a população de seu país tem crescimento negativo e que num futuro não muito distante não haverá alemães para mover a Alemanha. Impelida pela solidariedade ou pelo interesse (ou por ambos), a chanceler fez a coisa certa: abriu as fronteiras e os braços para acolher milhares de refugiados. “A Alemanha nunca mais será a mesma”, declarou consciente. Seis bilhões de euros foram destinados pelo país para administrar o grande fluxo de migrantes.
A Alemanha aceitou mudar. Fica a pergunta aos outros povos do Velho Continente: num mundo global ainda cabem nacionalismos exacerbados do tipo “não podemos comprometer nossa cultura”?
O teólogo espanhol Jesús Morán Cepedano tem uma visão inclusiva da miscigenação étnica e cultural que está em jogo: “A nossa identidade torna-se mais forte à medida que for capaz de acolher uma diversidade sempre maior. Quanto mais diversidade acolher, tanto mais se demonstrará forte”.
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Voltando ao Sapiens: a leitura do livro vale a pena, da primeira à última página, mas requer maturidade intelectual e discernimento. Não é um livro para devorar. É um livro para ser refletido. Muitos posicionamentos serão aceitos, outros tantos serão criticados e descartados.
Uma visão histórica
“Entender a direção da história é, na verdade, uma questão de perspectiva privilegiada. Quando nos distanciamos e temos uma visão panorâmica da história, examinando desenvolvimentos em termos de décadas ou séculos, é difícil dizer se a história avança rumo à unidade ou à diversidade. No entanto, para entender processos de longo prazo, esse tipo de visão panorâmica é míope demais. Faríamos melhor em adotar, isso sim, a visão de um satélite de espionagem, que analisa milênios em vez de séculos. De um ponto de observação desses, fica nítido que a história está se movimentando incessantemente rumo à unidade. A ramificação do cristianismo e a queda do império mongol são apenas quebra-molas na autoestrada da história”. (Sapiens – Uma breve história da humanidade, Yuval Noah Harari, L&PM Editores, Porto Alegre, 2015, pp. 174-175)
