O estrangeiro é uma figura singular na história do Ocidente. Essa entidade misteriosa é capaz de suscitar convulsões sociais que deságuam em atitudes como medo, intolerância, desprezo e, por fim, exclusão. Aristóteles, responsável pela primeira sistematização do pensamento clássico e talvez a maior mente que já tenha habitado esse planeta, tinha consciência desse “perigo” e não deu lugar a eles em seus tratados sobre os arranjos institucionais de uma sociedade.
Quem já pôde passar ao menos uma temporada mais extensa na Europa certamente se deparou com essa realidade. O imigrante, seja lá de onde for, terá sempre um lugar marginal na sociedade. Sobre ele, pesará uma certa desconfiança, seja na informalidade das relações sociais, seja na formalidade do excesso de burocracia que lhe é imposta. Lampedusa, a cidade italiana que recebe milhares de imigrantes clandestinos vindos da África todos os anos, é o retrato mais dramático desse tipo de exclusão.
Em contrapartida, temos o Brasil da alegria e do “oba oba” pintado pelo ufanismo desmedido. Nessas terras de palmeiras e sabiás, o estrangeiro parece ter lugar privilegiado. Junta-se um pouco de folclore em torno da imagem que alguns querem criar do brasileiro com uma pitada de verdade histórica – é inegável que por aqui os imigrantes tiveram um papel fundamental no desenvolvimento do país e encontraram ambiente razoavelmente hospitaleiro quando chegaram. O produto dessa miscelânea é a figura do povo festivo e sempre de braços abertos.
A verdade é que a diferença de postura entre este e aquele lado do Atlântico ainda não pode ser medida com rigor. Afinal, aqui o calo da imigração ainda não apertou. Quando os estrangeiros foram desembarcando em Santos ao longo do Século XX, o país era outro e o momento era propício. Será que hoje a receptividade seria a mesma? Será que estamos prontos a integrar no mercado de trabalho e no tecido social pessoas imigrantes em busca de condições melhores de vida? O Haiti está aí para nos ajudar a dissipar essa dúvida.
Não é de hoje que pululam notícias de que muitos deles têm chegado ao Brasil pelo Acre, após cruzar a fronteira com a Bolívia. A quantidade e a distância que o próprio Acre conserva das áreas mais populosas do país fazem com que passemos o olho rapidamente pelas notícias, sem dar muita atenção. A tendência, porém, é que eles e outros migrantes, como os próprios bolivianos que já estão em São Paulo, comecem a se fazer notar com mais intensidade nos próximos anos. Conservo comigo que o brasileiro, assim como todos os povos desde a Grécia clássica, terá mais dificuldades do que acredita ter para aceitar a presença desses estrangeiros, sobretudo quando começarem a disputar postos de trabalho com eles. Quando isso acontecer, ao menos, teremos condições de perceber com mais clareza até onde vai a mítica hospitalidade brasileira. Talvez caia uma máscara, talvez nos comportemos exemplarmente bem. O fato é que só teremos certeza quando o calo apertar, quando estrangeiro já estiver aqui. Será, pois, o haitiano a mostrar o brasileiro como ele é.