Foto: Breno Silva/Flickr
Queria parar de ver futebol. Desde a mais tenra idade, perto dos seis anos, a paixão boleira figura na “agenda da vida”, ora com mais intensidade, ora sem qualquer relevância. São incontáveis horas dedicadas ao sabor das derrotas e vitórias, em múltiplos campeonatos e amistosos. Do meu time, do time do meu amigo, do time que for. O fascínio pelo esporte bretão já roubou meu olhar sem precisar de qualquer requinte. Se a televisão passasse, era motivo para me estatelar em frente à tela, sempre à espera de algo mágico.
É claro que a carga de frustração sempre foi infinitamente maior. Partidas insossas, jogadores ruins, nível zero de emoção. Mesmo assim, mantive minha fidelidade a esse amor platônico. Nunca pensei que ele pudesse se esfacelar. Foi o futebol que me ensinou a ler (devorava os cadernos de esporte), a gostar de rádio, a fazer amigos. Não há meio mais fácil de se aproximar de alguém do que a célebre frase: “Você viu o jogo de ontem?”. Sou eternamente grato a ele, quero que ele viva bem, prossiga com seus paradoxos... Só não quero mais ter lotes de 90 minutos roubados sistematicamente da minha semana, mesmo que seja para não fazer absolutamente nada.
Nem quero entrar no debate da falência do futebol brasileiro, do legado do 7 x 1, das torcidas eternamente em guerra, da falta de profissionalismo, da ausência de grandes jogadores, da arbitragem despreparada, do STJD, do Eurico, do Andres, do Juvenal, da CBF. Tudo isso serviria como argumentos objetivos – e incontestes – para abandonar a peleja. A questão não é essa. Simplesmente acho que a overdose futebolística já não produz os mesmos efeitos que um dia me fizeram vibrar, chorar aos cântaros, esbravejar. Tenho saudade dos tempos de moleque, em que cada instante era definido pela prática e conversa sobre futebol. Nada mais importava. Nem mesmo as primeiras paixões adolescentes rivalizavam com a pelada no campo de areia. Somos nós que perdermos a graça ou futebol que deixa de ter valor?
Outro dia, no intervalo do trabalho, na pausa para o lanche, fui ver os 20 minutos finais de Barcelona e Bayern de Munique, pela Champions League. Observava, sem maiores suspiros, aquele trânsito tático de um futebol europeu extremamente eficiente. Estava zero a zero. Já intuía que só estava diante de mais um jogo enfadonho. Prestava mais atenção no bauru feito na chapa quente do que no embate entre Pep Guardiola e seu ex-time. Até que o baixinho argentino me fez esquecer, num curto espaço de tempo, da minha desistência pelo futebol. Em poucos minutos, ele voltou a dar o status de arte ao que me parecia cada vez mais ordinário.
Não demorei muito para cair na realidade. À noite, por obrigação da profissão, voltei a me deprimir com os jogos da Libertadores e da Copa do Brasil. Nada parecia emular o Messi. Nada parecia instigar instantes de genialidade e poesia. Era só o mais do mesmo: breves alegrias, algumas tristezas, vitoriosos e derrotados. Fui para casa desejando novamente declarar minha abstenção pelo futebol. Agora entendia melhor a eterna consternação de minha mãe. Ela nunca entendeu como era possível que nós (cinco filhos) e meu pai pudéssemos ser tão fiéis aos mandos e desmandos da temporada boleira.
O Campeonato Brasileiro acabou de começar. Serão 38 rodadas da mais pura exaltação à mediocridade. Nada me faz crer que possa ser diferente. Nem mesmo a possibilidade de o Corinthians ser campeão. Seguirei tentando me desligar. Ou, de alguma maneira, renovar o meu encanto. O que pode ser mais forte, já que não temos o Messi por aqui? É só exigência ou pura nostalgia? Uma coisa é certa: o futebol já não é mais uma convicção.