Alexandre Borges: "É importante diversificar"

Guimarães Rosa volta a frequentar as telas. Desta vez, com a adaptação do conto Corpo Fechado, presente em Sagarana - uma das principais obras do escritor mineiro. O filme foi batizado como Meus Dois Amores e tem a direção de Luiz Henrique Rios, experiente na televisão, estreante no cinema. A seu favor, está um elenco fabuloso: Caio Blat, Maria Flor, Alexandre Borges, Lima Duarte, Vera Holtz, Milton Gonçalves... O desafio foi dar acabamento visual a uma ficção que tem na linguagem textual o seu principal trunfo.

Meus dois amores. Foto: Divulgação

A história mostra um vaqueiro dividido entre dois amores: o da noiva, Das Dô, e da mula Beija-Fulô. Não bastassem os problemas de ordem afetiva, ele se mete numa encrenca ainda mais grave, ao vender um cavalo bichado para o capitão Targino - que reage prontamente com uma vingança das brabas.  

Na última quinta-feira, 19, dia da estreia do filme, eu conversei por telefone com o ator Alexandre Borges, responsável por este Targino implacável, amedrontador. Ele falou sobre essa imersão num personagem tipicamente rural, que ele jamais havia feito no cinema. Ele gosta de lembrar do perfil humorístico que tem a história. No cinema brasileiro atual, essa mensagem é fundamental. É o que pode garantir bilheterias fartas. A diferença está em saber o quanto o humor de Guimarães Rosa pode ser eficiente no plano audiovisual.

Como foi o procedimento de transformar o conto em um produto cinematográfico?

Realmente é um desafio muito grande, mas ao mesmo tempo é muito importante colocar nas telas nomes como Guimarães Rosa, nomes que revolucionaram a literatura. Lógico que é um trabalho que exige uma pesquisa enorme, das leituras dos contos dele, não só os que estão presentes em Sagarana. O roteiro segue bem a ordem do conto, tem uma fidelidade com a linguagem e os diálogos. É uma história leve e com um certo humor. Nós fizemos várias leituras e trabalho de prosódias das palavras. Fizemos até ensaios com a técnica das máscaras de bali. Foi um processo muito gostoso, que aprofunda muito, que resultou num filme com humor, leve, para família - e que tem essa particularidade de ouvir o texto do Guimarães Rosa.

As histórias do Guimarães remetem ao sertão, ao campo. É a primeira vez que você faz um personagem rural?

No cinema é a primeira vez que faço uma coisa assim, com cavalos, tiros... Filmamos em Carrancas, em Minas Gerais. Tem uma caracterização bem diferente, que me trouxe um outro perfil de personagem e que gostei muito de ter feito. É importante diversificar. 

Como você avalia a estreia do Luiz Henrique Rios na direção de um longa-metragem?

Foi bem, muito batalhador. O filme foi feito com calma, com muita pesquisa, tentando o máximo de fidelidade com o conto do Guimarães. Ainda assim, ele foi alargado, outros personagens entraram. O Luiz tem uma experiência longa na televisão. Já trabalhei com ele na minissérie Muralha e na novela Belíssima.

Que tipo de solução foi desenhada para adaptar a linguagem textual do Guimarães?   

Acho que mergulhar neste universo dele permitiu que a interpretação não caísse numa mera leitura de um livro. Os personagens precisam ser reais, orgânicos. Foi o que tentamos passar. O filme traz um tom de fábula, mas ao mesmo tempo com interpretações viscerais.

O nosso contato com a obra de Guimarães, normalmente, é muito precoce, por conta da obrigatoriedade escolar. Nem sempre, porém, temos o amadurecimento ideal para encarar autores como ele. Como foi para você reler Guimarães? A gente perde muito lendo na adolescência?

Acho que sim. Guimarães parte do sertão, do sertanejo, do homem, da mulher, dos bichos... a partir de uma linguagem única dele, dos termos que ele inventou e ouviu nas viagens que empreendeu no sertão mineiro. Ele lida com questões filosóficas, psicológicas, se aprofunda em algo espiritual. Ele te leva para uma outra realidade através da aridez do sertão, de toda essa riqueza de histórias e lendas. Lidar com esse vocabulário particular é mais difícil no começo. Mas a cada leitura você vai conseguir sentir emoções mais profundas, sabe? O que ele quer dizer, o enigma proposto, as metáforas, a poesia. É um autor que merece essa releitura constante, assim como Gabriel García Márquez.

Você já começou a gravar a nova novela das 19h, I Love Paraisópolis?

Eu estou em plena preparação agora... De workshops, leituras e figurino. Uma parte do elenco já esta gravando, como a Tatá Werneck e a Bruna Marquezine. Foram para Nova York. Eu começo no fim do mês. Estou muito animado em retratar a comunidade de Paraisópolis, que tem uma diversidade cultural fantástica.

O seu personagem é um líder comunitário?

Não chega a ser um líder. É um cara da comunidade, ele está desempregado, faz uns bicos, uns gatos, aposta em briga de galos... Vai tentando sobreviver.

Confira o trailer do filme
 
 

 
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Sobre

Pitacos, reflexões e provocações sobre música, cinema, jornalismo, cultura pop, televisão e modismos.

Autores

Emanuel Bomfim

Emanuel Bomfim nasceu em 1982. É radialista e jornalista. Escreve para revista Cidade Nova desde 2003. Apresenta diariamente na Rádio Estadão (FM 92,9 e AM 700), em SP, o programa 'Estadão Noite' (das 20h às 24h). Foi colaborador do 'Caderno 2', do Estadão, entre 2011 e 2013. Trabalhou nas rádios Eldorado, Gazeta e América.