Sim, reconheço, a pergunta acima parece um clichê de livro de autoajuda. Fim de ano, aliás, é um mar sem fim de convenções apaziguadoras. Renovamos eternamente a sensação do “agora tudo está zerado” para tentar seguir em frente. São as benesses dos ciclos. Sempre é possível começar mais um. Isso inclui os aspectos afetivos, relacionais, emocionais, além do profissional, claro.
Feliz 2015! Foto: Freepik*
Nunca fui afeito a planejamentos anuais, destes que clamam por uma lista caprichada antes do réveillon. Meu desprezo sarcástico tem relação, talvez, com a mais completa falta de habilidade com a composição de projetos organizados. A práxis caótica do cotidiano (e da mente avoada) não combinaria com ato tão nobre e disciplinado.
O problema é mais embaixo, na verdade. Eu sei. O receio às metas de um novo ano nada mais é do que o medo de se comprometer. O medo de perder o “romantismo da vida” e seu fatalismo imprevisível. O medo de confrontar, ao final de uma nova temporada, com o fracasso.
Ora, como querer um bom ano novo se nada desejo efetivamente para ele? Vou ficar só na retórica redundante das mensagens de cartões? Ou vou me refugiar naquele arsenal de piadas desprezíveis?
Se clima de fim de ano permite uma enxurrada de clichês, quero recorrer a um deles: o da passagem do tempo. Cada 31 de dezembro representa mais uma volta completa no relógio. É o cronômetro regressivo da vida que lembra: “você está ficando velho”. Ou você realmente assiste a São Silvestre acompanhando e torcendo rigorosamente pelos corredores? Enquanto eles correm, minha mente vaga. A prova é o despertador do meu relógio interno. A memória fraca cruza feitos e desgraças, alegrias e decepções, perdas e abraços. Não há nada mais melancólico do que uma São Silvestre.
Por obra da minha amada esposa, aderi há algum tempo às metas de um novo ano e descobri o quanto elas atenuam o sofrimento de uma realidade escorregadia. Colocar para si objetivos fundamentais nada mais é do que encarar suas fragilidades. É, também, programar positivamente o cérebro para novas etapas, além de diminuir o peso daquele cronômetro que dispara durante a São Silvestre.
Confesso que, no começo, inexperiente de tudo, fui um tanto exagerado com as projeções estabelecidas. Se cumprisse todas aquelas metas, poderia me candidatar para capa da revista Time. Na empolgação, imaginei um cotidiano tomado pelo cumprimento dos manuais de qualidade de vida (muito esporte, nada de gorduras e álcool, e suquinhos de fruta espertões); do intelectual moderno (leria um livro por semana, assistiria só a filmes cults, iria a vernissages e cultuaria bolachões de jazz); do bom cristão (iria a missa todos os domingos, rezaria todos os dias, viraria catequista e daria sopa aos mendigos no centro); do profissional exemplar (seria pontual, organizado, eficiente e extremamente produtivo); e do marido dos sonhos (lavaria todas as louças, jamais veria o “Curintia” na TV, faria massagens e a presentearia com flores e poesias toda semana).
Não deu certo, nem preciso dizer. Mas serviu para calibrar o abismo que separa nosso devaneio com aquilo que de fato somos. Hoje tento elaborar e cumprir listas mais factíveis. Procuro, também, relativizar certas metas. Podemos nos programar (devemos!), mas sempre abertos a novas possibilidades e realizações.
Ano passado me comprometi a correr a São Silvestre. Acreditei que me tornaria um corredor de rua inveterado. Ainda não estou pronto para o desafio – mal dei cabo dele. Mas pode entrar na lista de 2015. Ainda é uma questão de ajustes de cronômetros. Boa virada!
*Foto: Freepik