É sempre uma tarefa irresistível, mas também sofrida, elaborar as listas de fim de ano. A parte boa vem do próprio exercício de depuração, ao encontrar os argumentos que sustentem as escolhas para um ranking – mesmo que ele acabe contaminado por uma visão pessoal.
Gosto de listas porque elas sempre provocam pontos de discordância ou confirmações de ideias. São essencialmente veículos de provocação. Refletir sobre o que mais se destacou ao longo de um ciclo é uma maneira de filtrar tendências e de celebrar obras que tem potencial de fixar na memória pop cultural. O aspecto negativo está justamente em confiar nessa noção escorregadia do que foi efetivamente melhor, ainda mais quando seus critérios são mais estéticos e subjetivos do que algo mensurável estatisticamente.
Bom... Feitas as considerações iniciais, que servem como anistia para as prováveis injustiças que cometi, apresento abaixo uma lista com discos mais importantes lançados em 2014. Discos de potencial pop e guiados por uma linguagem original. São representantes que circulam pela MPB, pelo indie e pelo pop/rock. Um espectro que nem sempre transita no mainstream brasileiro, mas que ostenta um conteúdo bastante relevante. Não há ordem entre eles. Acredito que constituem uma massa sonora vigorosa e inquietante. Como a arte deve ser.
Titãs - Nheengatu
Titãs - Nheengatu
Após resgatar nos palcos o clássico Cabeça Dinossauro, o grupo paulistano se abasteceu daquela postura punk que modelou os Titãs dos anos 80. Som pesado, músicas diretas, letras impactantes; está tudo lá, com o acréscimo das máscaras. Músicas como Fardado demonstram como o rock ainda tem força para falar sobre a realidade. E bem.
Nação Zumbi - Nação Zumbi
Nação Zumbi - Nação Zumbi
Diferente dos Titãs, a Nação foi constituir um de seus melhores discos na história ao se distanciar das origens do manguebeat. É a apuração da linguagem da canção que definiu as diretrizes deste repertório de inéditas. Algo que vem da maturidade (como músicos, pessoas e banda) e do forte diálogo que o grupo estabeleceu ao longo dos últimos anos com outros artistas da música brasileira, como Marisa Monte. E vale mencionar: Jorge Du Peixe está em grande jornada. É o seu melhor registro como intérprete.
Banda do Mar - Banda do Mar
Banda do Mar - Banda do Mar
Um projeto "despretensioso" e que conclamaria a parceria profissional de Mallu Magalhães e Marcelo Camelo só poderia causar alvoroço. É um disco ensolarado, roqueiro, divertido, dançante, bom pra tocar ao vivo. Gestado em Portugal junto ao baterista Fred Ferreira, o trio respirou os anos 60 de Beatles e da surf music.
Fernanda Takai - Na Medida do Impossível
Fernanda Takai - Na Medida do Impossível
É curioso notar como o universo de Takai se tornou mais interessante até do que as novas composições do Pato Fu. Talvez porque ela saiba exatamente qual é a sua medida do impossível: verter a pluralidade de referências para um processador criativo muito original. Tudo soa bem: do Pe. Zezinho a George Michael, de Belchior à Jovem Guarda.
Criolo - Convoque Seu Buda
Criolo - Convoque Seu Buda
Após um certo suspense sobre gravar ou não um novo disco, Criolo foi para estúdio com o mesmo time que o alçou a popstar em 2011, com Nó na Orelha: Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral. Os dois produtores costuram o lirismo encantador do rapper com texturas e levadas que abraçam o samba, o reggae, o sertanejo e o free jazz. Pode não ter hinos como Não Existe Amor em SP, mas é um disco mais coeso, maduro e versátil também.
Moreno Veloso - Coisa Boa
Da turma do +2 (Kassin, Domenico Lancellotti e Moreno), faltava só o desabrochar solo do primogênito de Caetano Veloso. E veio em grande estilo, com músicas contemplativas, entrincheiradas nas cordas do violão e no canto manso de Moreno. São canções que expressam a ligação afetiva do autor com a Bahia e com o Japão.
Russo Passapusso – Paraíso da Miragem
Russo Passapusso – Paraíso da Miragem
A estreia solo do músico baiano, integrante de combos como o Baiana System e o DubStereo, mostra uma clara ligação com a escola do samba soul, turbinada pelo dub jamaicano e lirismo cadenciado do rap. A principal diferença daquilo que conhecíamos de Russo é a escolha pelo canto introspectivo e pelas formas “mais convencionais” da canção.
Silva – Vista pro Mar
Silva – Vista pro Mar
Depois de Claridão (2012), o cantor e compositor capixaba buscou um registro mais leve, “de beira de piscina”, segundo o próprio. As programações eletrônicas estão lá, mas é um disco mais colaborativo, de timbragem mais orgânica. Os ecos de Guilherme Arantes, não propositais, são frutos de uma sonoridade trazidas dos anos 80 e 90. É só mais uma entre tantas referências trabalhadas com primor por este esteta da canção.