A campanha eleitoral teve alguma graça? Quase nada, é verdade. Infelizmente. A piada, o riso provocado, é um dos instrumentos mais potentes no exercício de crítica e autocrítica numa sociedade. Enquanto as superproduções com seu verniz publicitário-cinematográfico são aplaudidas, a palhaçada do Tiririca foi vista como sabotagem. Um seduz, estabelece um plano mitificado. O outro expõe o ridículo, desenha a caricatura. Qual está mais próximo da verdade?
Para ficar claro: não se trata de uma defesa do candidato Tiririca, nem apresentou seus projetos, se é que existem. A questão é o efeito proporcionado pela comédia, como apreciação cínica da realidade. Nos EUA, onde a democracia está num estágio mais avançado, a sátira é presente e desejada nas campanhas, inclusive no pleito presidencial. Isso sem falar nos inúmeros programas de humor na televisão, no rádio e na internet.
Perceba a ironia: aqui debochamos dos políticos quando falam sério. Compartilhamos o constrangimento diante da falsidade profissional praticada por centenas de postulantes ao cargo público.
Piada é coisa séria, faria um bem danado a um ambiente tomado por um discurso quase sempre pomposo, egocêntrico e superestimado. Alguém aí ainda acredita em promessas? Com o humor, não só se estabelece uma comunicação rápida e eficiente com o interlocutor, como se expõe os deslizes morais e práticos dos políticos. Difícil é lidar com essa postura messiânica (às vezes, totalitária) dos candidatos, que se julgam representantes máximos da crença coletiva. Só mesmo os humoristas para “nos salvar”, a partir deste arsenal valiosíssimo de confronto e denúncia.
A falta da sátira política é um problema jurídico no Brasil. A anacrônica legislação eleitoral amordaça os veículos de comunicação de massa em seu suposto princípio de isonomia. No momento em que se clama pela originalidade e crítica feroz, esse conjunto de regras impede que o debate se estabeleça de forma mais franca e analítica. Em outras palavras, se transforma numa chatice insuportável.
Na web e no cinema
Com menos restrições, o ambiente digital aglutina o humor político represado. Quando o ataque é dirigido, específico, quase sempre corre o risco de ser banido em processos legais. É o que aconteceu recentemente com o grupo Porta dos Fundos, que foi obrigado pelo TRE-RJ a retirar do ar o vídeo “Você me Conhece”. A alegação apresentada pela juíza Daniela Assumpção de Souza foi que o conteúdo do material fazia propaganda negativa do candidato ao governo do estado, Anthony Garotinho (PR). Ah, vá! Sério?
Justamente por essa dificuldade em praticar a sátira personificada, os humoristas acabam recorrendo à crítica mais generalizada, sem dar nome aos bois. Dois exemplos me parecem muito bem sucedidos. Um deles é protagonizado pelo grupo Os Barbixas, que criou campanhas midiáticas para dois candidatos fictícios: Álvaro Campos e Ricardo Reis. A piada está justamente neste modelo de programa televisivo adotado pelos partidos.
O cinema brasileiro, que não tem sido terreno dos mais férteis para a sátira política, acaba de estrear uma comédia nesta seara: O Candidato Honesto. Com Leandro Hassum como protagonista, o filme deve decolar na bilheteria. Não haveria hora melhor.