Que tempos são esses em que o lançamento de um smartphone é tratado como uma dádiva? A ponto de fazer com que milhares de desocupados fossem dividir espaço nas filas quilométricas em frente às lojas que receberiam primeiramente o aparelho. Estou seriamente entediado. Alguém aí pode me explicar onde está embutido o valor sagrado deste montante de alumínio desbloqueado e vendido por algo em torno de 600 dólares?
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Não sou um ser de amarras analógicas e nem tão velho assim. Não desprezo os benefícios de um bom smartphone, mesmo sabendo que a lógica perversa está no vício infantil de “estar conectado à rede o maior tempo possível”. Tive recentemente um Moto G, que muito me agradou, mas foi roubado. Voltei ao meu Galaxy surrado e que mal faz uma ligação decente. Não fiquei doente, nem carente por isso. Até do WhatsApp eu tirei umas férias. Sem grandes neuras ou dores de cabeça.
Mas voltemos à mística da empresa da maçã. Como pode? Um produto requentado, mesmo que bem acabado e potente, causar tanto frisson? Portais em todo o mundo transmitiram em tempo real a cerimônia “estupenda e dinâmica” de lançamento. Tela maior, processador possante e um sistema que transforma o telefone em cartão de crédito. Uau! Agora estou mais aliviado e feliz com os rumos da humanidade. Pagar a cerveja de sexta-feira no iPhone será realmente redentor para minha sensação de classe média endividada.
Meu incômodo não é com o trabalho dedicado de engenheiros em fazer de um telefone uma experiência fenomenal. Fico com raiva com essa maré de babação em torno de algo elementar, mas longe de ser vital. A Apple provoca os sentimentos consumistas mais nefastos. É a subversão da necessidade. Tratamos como se fosse algo urgente, numa escala inescapável ao racionalismo cotidiano.
Pare, respire e pense bem: o que nos define? Onde estamos depositando nosso tempo e energia? Ainda é possível imaginar relações verdadeiras?
Gosto de pensar no ridículo da coisa. Quem me alertou para isso foram alguns cartuns do mais recente livro do cartunista e músico Reinaldo (do Casseta & Planeta, lembra?), A Arte de Zoar. Em seu exercício de sarcasmo, tablet vira calço de mesa, papel higiênico em banheiro de posto e material para embalar peixe. Ou seja, algo ordinário.
Mas não se angustie! Ordinários serão os preços: os novos iPhones não vão sair por menos de 4 mil reais no Brasil. Uma verdadeira proeza na era das distrações e paranoias digitais.