Na seção Teen da mais recente edição de Cidade Nova, fui investigar os motivos da morosidade do rock no Brasil atualmente. Onde estão as bandas? Por que elas não fazem mais diferença? Virou mesmo produto de nicho? Basta lembrar que o último grande hit do BR-rock foi Anna Julia, lançada pelos Los Hermanos em 1999. Uma recente pesquisa do Ibope mostrou que o gênero ocupa só 3% da programação das FMs. Somos o país do sertanejo, ora.
A referência “mais genuína” de rock continua atrelada aos grupos dos anos 80, como Titãs, Paralamas, Legião, Ira!, Plebe Rude, Capital Inicial e por aí vai. Mesmo os representantes dos anos 90, que foram mais sofisticados, não são automaticamente colocados nesta lista. Isso inclui Skank, Raimundos, Planet Hemp, Nação Zumbi, Pato Fu e o Los Hermanos.
É difícil afirmar e se contentar que não haja público para o rock, que o jovem brasileiro não liga para o gênero. O retorno das rádios 89FM, em São Paulo, e da Rádio Cidade, no Rio de Janeiro, são exemplos de que existe, sim, mercado e gente disposta a consumir novidades.
Para além da discussão contextual, é muito legal poder desfrutar de lançamentos que reacendem a paixão por um discurso mais combativo e forjado nas guitarras. Entre eles, não há dúvida de que Nheengatu, dos Titãs, surge como o grande disco de rock de 2014. Era difícil de imaginar que uma banda de tiozinhos ainda pudesse reacender a brutalidade e a porradaria de clássicos como Cabeça Dinossauro (1986). A sensação é de estar diante de uma molecada de 20, com a vantagem de saber que você não vai se decepcionar com o conteúdo das letras. Aliás, são sempre ótimas: provocativas, irônicas, politizadas e comportamentais.

Capa do novo CD dos Titãs: Nheengatu. Foto: Divulgação
A sonoridade aproxima os Titãs de sua origem, quando o punk fez a cabeça de apaixonados por rock nos anos 70. Músicas curtas, riffs pesados, refrões explosivos e uma gritaria saudável ajudam a extirpar todos os fantasmas numa era de coxinhas.
Na paleta de temas, não há receio de abordar questões polêmicas, de cutucar tabus, de contestar o senso comum, como em Fardado, a Polícia dos anos 2000. O eixo da crítica continua a ser o abuso do poder estatal. “Você também é explorado / fardado / Você também é explorado / aqui / Por que você não abaixa essa arma / O meu direito é seu dever / Por que você não usa essa farda / Pra servir e pra proteger / Por que você não escuta o que eu digo / Não limpa as botas de terra / Não prende esse cachorro contigo / Não abre a rua e limpa essa m**!” Há muito tempo não se ouvia algo tão raivoso (e bom!).
Morte, drogas, Igreja, pedofilia e uma desesperança generalizada são temas contundentes habilmente trabalhados pelo quinteto nas quatorze faixas do novo disco. Lembre-se: não é preciso concordar necessariamente com o que se diz. O que querem os Titãs – e aí está um dos benefícios da arte – é afastar uma letargia de pensamento. Quase tudo que ouvimos hoje tem uma poética virada para o próprio umbigo, paras os dilemas do amor romântico. Como é bom ver a realidade revirada do avesso por uma das bandas mais vigorosas de nossa história. Digo mais: se o rock continuar se desligando da realidade, fatalmente ele vai esmorecer. Obrigado, Titãs, por mais essa lição de atitude e de vanguarda.