Ídolos de verdade

Num mundo marcado pela forte concorrência, é natural que candidatos a ídolos apareçam a todo instante. No esporte não é diferente. Ora impulsionados por mérito próprio, ora projetados demasiadamente pela imprensa, estes atletas começam a habitar o imaginário de cada um de nós, servindo de referência pessoal, profissional ou meramente esportiva. Na adolescência, em geral, este grandes exemplos tem um papel ainda mais definitivo.

Ídolos farsantes, que existem aos montes, podem até cumprir sua agenda profissional com certo brilhantismo, mas é comum demonstrarem certa soberba, atraídos pela volúpia da fama, sucesso meteórico e, claro, pelas montanhas de dinheiro. A lógica financeira, muitas vezes, acaba por esconder uma falha de caráter. Um exemplo recente: o goleiro Felipe, do Flamengo. É um jogador competente, com passagens por grandes clubes e que poderia exercer certa liderança no grupo, como é comum em atletas desta posição. Sua postura, porém, joga por terra todas as virtudes que apresenta com as luvas na mão. É só lembrar da declaração “ganhar roubado é mais gostoso” na final do Carioca para perceber o estrago que ele fez na mente de jovens flamenguistas, em especial as crianças.
 

Novak Djokovic. Foto: Divulgação

Ídolos de verdade não precisam de jogadas geniais de marketing. Não precisam de campanhas com hashtags nas redes sociais. Com simples gestos, humanizam o esporte de tal maneira que passam a ter uma relação ainda mais especial com o público e fãs. Estabelecem uma admiração autêntica. É a diferença do ser e do parecer.

Nesta semana, quem provou ser “o cara” foi o tenista sérvio Novak Djokovic. Durante uma partida na quadra central do torneio de Roland Garros, um dos mais importantes do circuito, ele inverteu a lógica do protagonismo. A atitude foi quase banal, mas seu efeito é gigantesco. Nole, como é conhecido, estava sentado em seu banco, aguardando o término da chuva que havia interrompido a partida. Um menino, pegador de bolas, segurava o guarda-chuva para proteger o sérvio. O que Djoko fez? Dá só uma olhada no vídeo abaixo:

 


Este tipo de atitude revela não só o carisma do esportista. Por trás deste gesto, existe a trajetória de alguém que não se coloca acima dos demais. De quem sabe que a vitória não está em mordomias como um portador de guarda-chuva. Djokovic lembra muito o nosso Gustavo Kuerten: é divertido, batalhador, talentoso e realizado com o que faz. Em quadra, já superou o Guga, tanto em resultados quanto na capacidade física e técnica – apesar de ainda não ter um Roland Garros em seu currículo.

Djoko não é do tipo que fica aí se vitimizando, mesmo tendo uma origem bastante complexa. Quando nasceu, em 1987, na cidade de Belgrado, ainda existia a antiga Iugoslávia. Cresceu sob os bombardeiros da Otan, guerra civil e problemas econômicos dos mais variados tipos. “Nossos filhos treinavam durante o bombardeio. Treinando e ouvindo as sirenes", conta a mãe de Nole na biografia sobre o tenista, lançado pela editora Évora. A família tinha apenas um restaurante de inspiração italiana, que foi o que lhe deu sustento para poder praticar e crescer no mundo do tênis. Um caminho de muitos sacrifícios que agora se mostra recompensador. Em quadra, é um esportista aplicado, mentalmente muito forte e que veio para quebrar a hegemonia Roger Federer – Rafael Nadal. É também muito aplaudido pelo dom da imitação. Reproduz os trejeitos de vários tenistas com incrível perfeição, inclusive Guga.

Um verdadeiro ídolo. Dá-lhe Djoko!

 

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Sobre

Pitacos, reflexões e provocações sobre música, cinema, jornalismo, cultura pop, televisão e modismos.

Autores

Emanuel Bomfim

Emanuel Bomfim nasceu em 1982. É radialista e jornalista. Escreve para revista Cidade Nova desde 2003. Apresenta diariamente na Rádio Estadão (FM 92,9 e AM 700), em SP, o programa 'Estadão Noite' (das 20h às 24h). Foi colaborador do 'Caderno 2', do Estadão, entre 2011 e 2013. Trabalhou nas rádios Eldorado, Gazeta e América.