Loucos de amor

“Fiquei sensibilizada com os alunos e resolvi fazer essa loucura de amor pelas crianças" [1]. Foi essa a explicação que deu Elba Dias, diretora de uma escola estadual de Macapá, para justificar uma ação desenvolvida na escola: a venda de biscoitos. Com o dinheiro arrecadado, ela pôde comprar aparelhos de ar-condicionado, ventiladores e, agora, instrumentos musicais.

De fato, mais importante que os produtos adquiridos com a venda, foi a razão que levou Elba a ter essa iniciativa. A diretora não se conformou com situação em que se encontrava a escola, nem mesmo esperou que chegasse uma ajuda por parte do governo local. Houve uma motivação maior que a levou a agir: o amor pelos alunos, que se desdobrou e mobilizou toda a comunidade escolar. Agora, os alunos não mais sofrem com o calor excessivo em sala de aula. E, adquiridos os instrumentos musicais, formou-se uma banda que está fazendo com que os alunos se engajem nessa atividade, afastando alguns deles da droga, da marginalidade.

Existem várias “Elbas” no nosso país, e a maioria permanece no anonimato. Dia a dia, são pessoas que transformam a vida de outras por meio da Educação. E, para além de ministrar conceitos de Português, Matemática, entre outros, a Escola assume, desse modo, outro compromisso: educar para o amor, ensinar o outro a ser solidário e, mais do que isso, a construir relacionamentos verdadeiros entre todos que nela se inserem. Existe, portanto, nessa ação, uma dimensão pedagógica e, por que não, política, que promove um exercício autêntico de cidadania.

Diante de tantas notícias negativas sobre o ensino no país, o fato ocorrido na escola de Macapá sinaliza um caminho possível para se construir uma verdadeira experiência educativa. A ação desenvolvida por Elba em sua escola nos lembra Paulo Freire, que afirmava que “O amor é um ato de coragem, nunca de medo, o amor é compromisso com os homens (...) [2]”.

Esse amor, mais do que o assumir os problemas de uma escola, leva a cada um dos seus agentes a se colocar no lugar do outro. Assim o fez a diretora: sofreu junto com os alunos que não conseguiam assistir às aulas devido às altas temperaturas de sua cidade; ou mesmo, foi em busca de uma solução para outros estudantes, que já se encontravam em situação de risco.

É um amor que nos ensina a ser fraternos, a nos ver como irmãos. Uma educação que visa à fraternidade, sem dúvida, forma cidadãos que superam limites, não se acomodam e não fazem do conhecimento um fim em si mesmo. Recentemente, a escola recebeu a doação de 45.000 livros, por parte de um empresário goiano. Elba não sabe como fará para conseguir o transporte dos livros de Goiás para seu estado, o Amapá, mas tem certeza de que conseguirá realizar isso também.

Se a escola tiver outros “loucos de amor”, como essa diretora, não obstante todos os problemas que estão no seu interior e também aqueles presentes num contexto mais amplo, pouco a pouco ela irá resgatar o seu papel de agente fundamental de transformação da sociedade.

Com essa reflexão, iniciamos o nosso blog. Ele quer ser um espaço de discussão e, sobretudo, de divulgação de ações que se realizam nesse espaço da sociedade. Educar à fraternidade é uma utopia compartilhada por nós, um projeto de vida que nos aponta para o sentido real do educar e nos dá pistas a respeito do como podemos viver num mundo tão complexo como o nosso.

[1] Trechos extraídos de notícia publicada no UOL Educação. In: http://educacao.uol.com.br/noticias/2014/04/22/no-amapa-escola-compra-instrumentos-musicais-com-venda-de-biscoitos.htm. Acesso em 22/04/2014

[2] FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006, p.92.



Sobre

Para além de discursos politicamente corretos, mas destituídos de densidade humana, queremos refletir sobre a Educação, que tem, fundamentalmente, como tarefa primeira, instituir a humanidade de cada um de nós. Que este blog seja um espaço de reflexão que potencialize nossa utopia: humanizar os saberes e educar os afetos.

Autores

Jaqueline de Moraes Fiorelli

Professora de Português do Colégio Santa Clara-SP, doutora em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP). Autora de artigos e material didático voltado ao ensino de Português, publicado pela editora do Sistema Mackenzie de Ensino (2013).

Vanderlei Barbosa

Professor de Filosofia na Universidade Federal de Lavras. Doutor em Educação na área Filosofia, História e Educação, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Autor de vários artigos e do livro "Da Ética da Libertação à Ética do Cuidado". São Paulo: Editora Porto de Ideias, 2009.