Três tipos de histórias marcaram a minha última semana e gostaria de compartilhar algumas opiniões com vocês.
As duas primeiras se resumem em uma infeliz coincidência. Assisti há poucos dias um filme chamado “O Abutre”, que retrata a história de um cidadão comum que se apodera de uma câmera de mão e sai em busca de eventos trágicos pela cidade ao descobrir que as empresas de mídia pagam bem por imagens sangrentas e que despertam a curiosidade dos telespectadores pela tragédia. O personagem abusava. Movia corpos, mudava coisas de lugar, invadia propriedades com cenas de crimes mesmo antes da polícia chegar a fim de conseguir as “melhores” imagens.
Cena de "O abutre". Foto: Divulgação
Cena de filme? Que nada! Para a minha surpresa encontro na internet a notícia de um cidadão americano que acaba de ir para a cadeia ao usar o próprio celular para filmar a cena de um acidente de carro com dois jovens. O sujeito certamente viu o filme! Ele abriu a porta do carro, filmou os meninos, jogou nas redes sociais e tentou vender para uma empresa de mídia. Foi condenado por invasão de propriedade e sequer disponibilizou o vídeo para a polícia para ajudar nas investigações.
Gosto sempre de relembrar às pessoas que a tecnologia é apenas um instrumento nas mãos dos seres humanos e que ela tem um enorme poder tanto para o bem quanto para o mal, dependendo das nossas atitudes. Na coincidência acima fica bem claro que com dispositivos cada dia mais próximos do nosso corpo, maiores são as chances de transpormos para o virtual não só nossos momentos felizes, mas também a nossa miséria de valores e nosso insaciável desejo pelo espetáculo.
Portanto, antes que você ache que o cidadão da notícia é maluco e chegou a um extremo, convido-o a fazer um exercício cotidiano que gosto bastante de repassar aos adolescentes com os quais converso sobre novas mídias.
Torna-se cada dia mais necessário aplicar em nossa convivência com a tecnologia portátil e com as redes sociais aquele antigo conto das “Três peneiras de Sócrates”. A filosofia conta que, procurado por um amigo que queria lhe contar uma novidade, Sócrates questionou-o se a história seria capaz de passar por três peneiras: a da verdade, a da bondade e a da necessidade. “O que vais me contar é verdade, é bom e é necessário? Caso contrário esqueça e enterre tudo”. Vocês podem imaginar que Sócrates acabou não ouvindo história nenhuma.
Então eu lhe pergunto. O quão abutre você tem sido com a própria vida nas redes sociais? O uso do seu celular leva mensagens boas, verdadeiras e úteis às pessoas? Ou há um desejo inconsciente de espetacularizar?
A terceira história dessa semana foi o avesso de tudo isso. Estou lendo o livro “Cem dias entre o céu e o mar”, do Amyr Klink, e nunca ouvi relatos tão intensos de dias felizes de alguém que passou 100 dias sozinho, em um barco a remos de seis metros sem ver sequer uma pessoa. Nada de celular ou conversas desnecessárias. Apenas a felicidade de trabalhar remando, de ver baleias, de poder dormir enquanto o dia está chuvoso e de ser acompanhado por um cardume de dourados durante todo o trajeto.
Onde está o verdadeiro espetáculo em se compartilhar uma cena da vida?
Se por acaso após as minhas perguntas você se sentiu um pouco abutre, que tal se desligar um pouco e ler um livro?
Até a próxima!