A brasiliense Valéria Novo é veterinária e andava incomodada com uma dor “eterna” nas costas. Ela então trocou a castração de um gato por dez sessões de acupuntura. Fred Cunha é relações públicas e se achava acima do peso. Maurício Camargo é um personal trainer que adora ganhar novos clientes. Eles trocaram então um planejamento estratégico de comunicação por uma série de exercícios. Já Helena Mesquita faz salgadinhos caseiros e tem dois cachorros bem agitados, que, além dos salgados, adoram comer a espuma do sofá. Por isso ela trocou os salgados para uma festa infantil pelo reparo no sofá. E deu certo.
FaZoQUÊ: economia compartilhada. Foto: Jorge Cardoso/MMA
Onde aconteceu tudo isso? Por meio do FaZoQuê, plataforma online de Brasília especializada em troca de serviços. O site tem como inspiração o consumo colaborativo. O conceito é baseado na troca, empréstimo ou compra de objetos usados, em vez de produtos novos, e na troca de serviços. Por exemplo: sabe aquele videogame que você não joga mais? Ao emprestá-lo a um amigo, ele não precisa comprar um novo, diminuindo o desperdício e conservando a energia e a matéria-prima que seriam usados em sua fabricação.
Mais é menos
Esse tipo de troca de produtos ou serviços, claro, já existe há muito tempo. Mas agora ganhou força com o crescimento da internet e da preocupação ambiental. Os principais ganhadores com o consumo colaborativo são a sociedade e o meio ambiente: afinal, mais compartilhamento significa menos produção de bens, menos extração de recursos naturais e menos desperdício.
Por trás do consumo colaborativo está ainda outro fator: a crise econômica mundial. A ideia é que as pessoas não precisam ter a posse dos objetos ou pagar por serviços. Doar, compartilhar, alugar e trocar são os verbos do chamado consumo colaborativo, que é pautado no pensamento "o que é meu é seu".
É bem provável que você tenha uma furadeira em casa. O que talvez não saiba é que o uso médio de uma furadeira, em toda a sua vida útil, é de aproximadamente 40 minutos. A pergunta correta é: você precisa da furadeira ou do furo? Muitas vezes não é preciso possuir um bem para usufruir dos benefícios que ele pode trazer – e esse é o princípio do consumo colaborativo.
Surgido no final de 2008 nos EUA, o movimento vem ganhando cada vez mais adeptos no Brasil. Em artigo de 2011 da Revista Time, dos Estados Unidos, o consumo colaborativo foi elencado como uma atitude entre as dez coisas que vão mudar o mundo, o que pode ser provado pela quantidade de sites que se especializaram em fazer esse tipo de aproximação de pessoas com interesses complementares. É possível encontrar de tudo: de livros a furadeiras, de televisores a pessoas que decoram bolos de aniversário.
FaZoQuê
Baseado no consumo colaborativo, o FaZoQuê segue uma tendência mundial, em que as relações são construídas por meio da necessidade e da oportunidade na troca de serviços. Profissionais de diferentes áreas interagem, divulgam suas habilidades e economizam dinheiro trocando serviços de forma rápida, fácil e gratuita.
O FaZoQuê existe desde 2013. São mais de 2 mil inscritos, e no momento existem 379 trocas contabilizadas. Segundo Saulo Sena, designer e um dos idealizadores do projeto, todos os retornos têm sido positivos.
Lançado por um grupo de oito amigos de Brasília, o site propõe uma forma de economia compartilhada para que, em épocas de crise, a comunidade continue produzindo, valorizando as relações pessoais e promovendo o encontro de profissionais de diversos segmentos e classes sociais. O cadastro na página é gratuito.
As áreas de construção civil e fitness têm os serviços mais procurados no site. Logo depois vem pets. Já as profissões mais cadastradas são especialistas em informática e comunicação (15% cada), administração e educação (8% cada) e saúde, jurídico e artes (5% cada). Depois de cada troca, os profissionais são analisados entre si e ranqueados de acordo com a avaliação recebida.
“O sistema é muito simples. O usuário procura o profissional que ele deseja e entra em uma sala de negócios, onde pode ou não trocar o serviço. Os profissionais podem trocar informações de contato e negociar a troca do serviço da maneira que acharem melhor”, explica Saulo. “As trocas são baseadas numa relação de confiança. Nos sentimos pioneiros em consumo colaborativo em Brasília e reunimos no site pessoas que acreditam no conceito”, conta ele.
Segundo Valéria Novo, a primeira troca que ela fez foi bem bacana, o que estimulou a veterinária a trocar de novo. “Da última vez, troquei uma consulta veterinária por ingressos de um show que queria ver. Acho que esse tipo de troca colabora com o meio ambiente e nos conscientiza sobre o nosso papel para um consumo mais consciente”, destacou.
Tem açúcar?
Outra iniciativa que vem fazendo bastante sucesso em termos de consumo colaborativo é o site Tem Açúcar?, versão brasileira de uma plataforma de empréstimos e doações entre vizinhos. A ferramenta online permite pedir emprestado e encontrar um vizinho nas redondezas que queira emprestar um abridor de lata, um furadeira ou um alicate. Depois, é deixar acontecer o encontro, o empréstimo, a troca.
A plataforma, que já possui 63 mil usuários cadastrados em todos os estados brasileiros, funciona da seguinte forma: você se cadastra e lança seu pedido: que pode ser uma escada, um leitor de disquete (acredite!), um casaco ou até a fatídica furadeira. Segundo a criadora do projeto, Camila Carvalho, a troca evita o desperdício e aproxima as pessoas.
Liberte suas coisas
No facebook existe a comunidade Free Your Stuff Porto Alegre, coordenada pela jornalista Luísa Fedrizzi, que já possui mais de mil participantes. O FYS permite a usuários interessados em doar ou receber objetos, fazer suas ofertas e pedidos através do grupo na rede social. Aqui só a troca é permitida. O FYS (literalmente, "liberte as suas coisas") é uma ideia que surgiu na Alemanha, virou sucesso em diversas cidades europeias e está dando os primeiros passos no Brasil — em São Paulo, tem mais de 3 mil membros. A versão gaúcha nasceu em setembro do ano passado.
A ideia é simples: quem quiser se livrar de algum objeto em desuso dentro de casa, posta a foto do produto com as características na página da comunidade. Quem se interessar, responde que quer e, por mensagens privadas, as partes combinam a forma de entrega. E, por lá, vale quase tudo: de roupas a eletrodomésticos, de CDs virgens a produtos de cabelo, de fogões a instrumentos musicais. Seja por solidariedade ou sustentabilidade, são dezenas de doações que ocorrem por dia.
Uma pesquisa inédita realizada em 2015 pelo instituto Market Analysis identificou que o conceito consumo colaborativo não é novidade para 20% dos consumidores brasileiros, mas ainda não é muito praticado no país – a incidência é de apenas 7%. O estudo ouviu 900 brasileiros adultos residentes nas principais capitais do país e revelou que estar familiarizado com o conceito faz aumentar a prática. Pelo menos um em cada três familiarizados praticaram alguma forma de consumo compartilhado nos últimos 12 meses. Iniciativas inspiradoras surgidas nos últimos anos, como o FazoQuê, Tem Açúcar?, FSY, e muitas outras, mostram um novo caminho.