Dona Luiza Cerqueira (59) e Rafael Miranda (34) têm pelo menos duas coisas em comum: são negros e moradores de Costa Dourada, no bairro de Jacaraípe, no município de Serra (ES). Dona Luiza conhece Rafael desde criança. Feijão, como ele é chamado na comunidade, é militante em movimentos sociais e músico. Os 12 filhos de Dona Luiza cresceram juntos com Rafael e seus três irmãos, mas tiveram destinos bem diferentes.
Rafael Miranda, o Feijão, já viu muitos de seus amigos morrerem vítimas das drogas ou da violência, mas conseguiu traçar um destino diferente para si próprio. Foto: Amanda Brommonschenkel/ONUBrasil
D. Luiza já perdeu cinco de seus 12 filhos: dois morreram ainda crianças, um morreu de overdose aos 31 anos e dois foram assassinados, aos 22 e 17 anos. Dois de seus netos também morreram assassinados antes dos 20 anos de idade. Um outro filho, Cipriano (31) é usuário de drogas. Dona Luiza não vê Cipriano há cerca de dez anos e não sabe dizer se ainda está vivo, morando nas ruas de Vitória (ES) ou em uma fazenda.
Rafael e seus três irmãos acompanharam de perto a história de Dona Luiza. Quando perguntado sobre o que levou seus amigos a terem destinos tão diferentes do dele e de seus irmãos, Rafael diz que um dos principais motivos foi o engajamento em diversas frentes políticas e comunitárias.
“A gente sempre esteve do lado dessa galera. Também moro na periferia. Tento sempre mostrar o caminho para eles. Mas também sem criminalizar o que eles vivem. Mas é totalmente diferente o nosso processo de vida, a militância e um monte de outras coisas favoreceram para não nos envolvermos com as drogas”, diz Feijão.
Dona Luiza concorda e diz que uma das prioridades dos governos devem ser projetos sociais voltados para jovens. “O melhor caminho para os jovens são os projetos, estudo e a palavra de Deus”, argumenta. “Acho que ao invés de fazer muitas pracinhas, essas coisas, eles deviam investir em projetos para as crianças, jovens e adolescentes. Para que eles possam fazer um tipo de trabalho e quem sabe até conseguir ganhar dinheiro por meio do projeto”.
Dados do mais recente levantamento feito pelo Datasus do Ministério da Saúde, mostram que, em 2012, mais de 30 mil jovens morreram em razão de homicídios. Deste grupo, 77% das vítimas são negras. O número de homicídios de jovens negros é três vezes maior que de jovens brancos.
Rafael não se surpreende com esses dados, e diz: “as pessoas falam que o racismo no Brasil não existe, mas ele existe de uma forma talvez muito mais brutal que em outros países em que o confronto é mais direto. Aqui os confrontos são muito mascarados, o que dificulta a criação de políticas sobre questões raciais. E isso faz com que jovens negros sejam as principais vítimas da violência”, explica.
O exemplo de Rafael e seus irmãos, que desde muito novos estão engajados com movimentos sociais, reflete o tipo de conquista que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolviento (PNUD) busca proporcionar a todos os jovens por meio de sua Estratégia Global do PNUD para os Jovens, desenvolvida como parte do Plano Estratégico 2014-2017. Entre seus pilares está o fortalecimento da participação e do engajamento civil e político de jovens em instituições públicas e políticas.
Estudar Direito para defender a população
Juliana é estudante e cursa o 2º ano do Ensino Médio. Há três anos, a jovem aceitou o convite de uma amiga e entrou para o Movimento de Cultura Popular do Subúrbio (MCPS), entidade que atua no bairro do Subúrbio Ferroviário de Salvador, região com altos índices de violência, particularmente contra jovens negros e negras.
Juliana é estudante e cursa o 2º ano do Ensino Médio. Há três anos, a jovem aceitou o convite de uma amiga e entrou para o Movimento de Cultura Popular do Subúrbio (MCPS), entidade que atua no bairro do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Foto: ONU Brasil
Hoje, aos 19, trabalha na organização dando aulas de teatro para crianças e adolescentes, com idades entre 10 e 13 anos, que integram o grupo “Resistência Viva”. Apesar de ter habilidade para as artes, o seu sonho mesmo é ser advogada. “Quero ajudar as pessoas”, afirma a garota de 1,63m e sorriso largo, que só perde a leveza no semblante quando o assunto é violência.
Juli, como é conhecida pelos amigos e familiares, disse que após perder um amigo na escola, morto por engano pela polícia, passou a ter muito mais vontade de enfrentar todos os tipos de discriminação, por acreditar que essas situações se dão em especial por conta do racismo.
Mais da metade dos homicídios no Brasil (53%), segundo dados apresentados pelo Ministério da Saúde em 2010, tem jovens como vítimas, sendo que, desse total, 76,6% eram negros e 91,3%, homens. “Infelizmente é assim nosso cotidiano. Quero estudar Direito para defender a população. É o que mais sinto falta nas comunidades”, revela a estudante, que quer ser a segunda pessoa na família a ter um diploma.