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Lei Maria da Penha completa 18 anos

EM 2023, tivemos 1.463 vítimas de feminicídio no Brasil. É uma realidade assustadora, sobretudo se refletirmos que essas mulheres deixaram de existir apenas pelo fato de serem mulheres.

por Carla Fernanda Silva   publicado às 00:00 de 20/12/2024, modificado às 14:37 de 20/12/2024

Infelizmente, a desigualdade de gênero e a violência que ela produz, que em sua expressão mais grave é a morte, não são realidades recentes na cultura do nosso país. A violência doméstica é o resultado final de uma série de estruturas anteriores a ela, reforçadas cotidianamente no âmbito das famílias, das escolas, dos equipamentos culturais, como as mídias, e, de modo mais recente, pelas redes sociais.

Estamos comemorando dezoito anos da Lei Maria da Penha2 no Brasil. E o que isso significa? Quais são os avanços? Há mesmo o que celebrar?

É comum ouvir que, após a Lei Maria da Penha, houve aumento do número de feminicídios. Essa ideia está tanto no imaginário popular quanto é parte da realidade. Bigliardi3 (2016), com base na análise do Mapa da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – Flacso (2012)–, identificou que, entre os anos de 1980 e 2010, foram assassinadas mais de 92 mil mulheres no Brasil. Também observou que em 2007 (primeiro ano de vigência efetiva da lei Maria da Penha), as taxas de homicídio de mulheres tiveram uma leve queda, voltando a crescer de forma rápida em seguida.

Se por um lado há um avanço inquestionável com a lei – principalmente o de tipificar os crimes contra as mulheres e assim permitir que seus assassinatos não fiquem “escondidos” pela camaradagem masculina de “lavar a honra” –, por outro, o aumento das mortes alerta para o fato de que as políticas públicas ainda não são suficientes e efetivas para garantir a proteção e a vida das mulheres neste país.

Mas no dia a dia, como a Lei Maria da Penha sai do papel?

Nesse sentido, em qualquer política pública, o monitoramento e a análise dos dados são essenciais. Um avanço foi a criação do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero  OBIG, em 8 de março de 20094. Para o Ministério das Mulheres, o Observatório é um mecanismo estratégico para subsidiar a formulação e implementação das políticas públicas para as mulheres no Brasil e para acompanhar os indicadores de desigualdades de gênero e de seus direitos. Outra iniciativa é o Mapa Nacional da Violência de Gênero5, uma plataforma interativa que reúne as bases do Senado Federal, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Sistema Único de Saúde (SUS). Por fim, o serviço Ligue 180, criado em 2005 e reativado em março de 2023, além de um canal fundamental para busca de ajuda, é também uma fonte de dados.

Quando pensamos na violência, há algo que dificulta a quebra deste ciclo: a falta de rede de apoio. Uma das questões comuns às mulheres que estão nessa situação é que, ao longo dos anos, os agressores conseguem isolá-las de familiares, de amigos, às vezes a ponto de romperem todos os vínculos. Assim, quando as vítimas decidem romper com a violência, contar com apoio de profissionais de serviços especializados, de coletivos de mulheres, casas abrigo, benefícios da assistência social e apoio para inclusão no mercado de trabalho é fundamental. Isso permite que essas mulheres não se sintam sós.

No cenário da proteção, o papel das delegacias especializadas é extremamente necessário. Um relato frequente entre as mulheres vítimas de violência é o despreparo de profissionais desses órgãos. De fato, não é incomum que as mulheres que recorrem a esse serviço se sintam julgadas ou desestimuladas a não prosseguir com a denúncia, ocorrendo até um processo de “revitimização”. Com efeito, permanece o desafio de realizar a sensibilização das forças policiais para um atendimento humanizado. As delegacias e os batalhões de polícia especializada são, em boa parte das vezes,a porta de entrada para toda rede de atendimento e, quando efetivos, cumprem um papel central na proteção de mulheres e na prevenção de novos episódios de violência.

Outro braço importante da política são o “Programa Mulher Viver sem Violência6” e o funcionamento das Casas da Mulher Brasileira. A primeira Casa foi inaugurada em 2015. Atualmente, já são oito as unidades em todo o Brasil. As Casas têm o diferencial de oferecer, no mesmo espaço, vários serviços especializados para atendimento das vítimas de violência, como apoio psicossocial, delegacia, Ministério Público, Juizado e Defensoria Pública. Esses espaços funcionam ainda como abrigo temporário (até 24 horas) para mulheres e seus filhos de 0 a 12 anos de idade.

Assim como a violência é um fenômeno complexo e multifacetado, seu enfrentamento também não se dá com uma única política pública ou um único órgão de governo. Ele requer articulação e diálogo entre diversas políticas e a sociedade civil organizada. 

Bigliardi, em seu estudo sobre o impacto das políticas de atendimento a mulheres vítimas de violência, identificou que, até 2013, a oferta de serviços de atendimento especializado no Brasil contava com centros especializados da mulher em 191 municípios, casas-abrigo em 70 municípios e delegacias especializadas em apenas 362 cidades. Diante da realidade brasileira, há muito que caminhar, e é urgente esse caminho.

A implementação da Lei Maria da Penha é um passo definitivo do Estado brasileiro para o reconhecimento e a garantia do direito das mulheres viverem sem violência.

1) A autora é assistente social. Atualmente, ela atua pelo Sistema Único do Saúde (SUS), em uma unidade básica de saúde em Ceilândia (DF). É especialista em violência doméstica contra crianças e adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB).

2) BRASIL, LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Fonte: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 31 out. 2024.

3) BIGLIARDI, Adriana Maria1; ANTUNES, Maria Cristina; Ana Cláudia N. S. O impacto das políticas públicas no enfrentamento à violência contra a mulher: implicações para a Psicologia Social Comunitária. In:  Boletim - Academia Paulista de Psicologia. v. 36, n. 91, São Paulo jul. 2016. Disponível em: https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_

4) O OBIG foi institucionalizado em dezembro de 2003. Fonte:  https://www.gov.br/mulheres/pt-br/acesso-a-informacao/observatorio-brasil-da-igualdade-de-genero.

4) Fonte: https://www.senado.leg.br/institucional/datasenado/mapadaviolencia/#/inicio. Acesso em: 28 out. 2024. 

5) O OBIG foi institucionalizado em dezembro de 2003. Fonte:  https://www.gov.br/mulheres/pt-br/acesso-a-informacao/observatorio-brasil-da-igualdade-de-genero. 6) Fonte: https://www.gov.br/mulheres/pt-br/programa-mulher-viver-sem-violencia-1. Acesso em: 1 nov. 2024.

Matéria originalmente publicada pela Revista Cidade Nova, edição de dezembro 2025.
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