O Brasil é visto como referência nas discussões em andamento na ONU sobre a agenda de desenvolvimento pós-2015, mas para aumentar as chances de ser bem-sucedido nas negociações, o país precisa investir na qualidade técnica das propostas que tem apresentado.
A recomendação é do diretor do Centro Mundial de Desenvolvimento Sustentável (Centro RIO+), Rômulo Paes, e reflete quase dois anos de monitoramento dos discursos brasileiros sobre o tema na ONU, assim como as interações do Centro RIO+ com a sociedade civil nacional e internacional.
“O Brasil tem defendido um posicionamento muito consistente com o resultado da Rio+20. Mas além da qualidade política da intervenção é preciso ter também qualidade técnica e, para isso, o governo precisa mobilizar todos os seus recursos internos para fazer uma intervenção de forma eficaz”, disse Paes na última sexta-feira (23), em Brasília.
Os dois estudos do Centro RIO+ cobrem três dimensões: o mapeamento do discurso do governo brasileiro sobre o tema na ONU; a imagem do Brasil perante a sociedade civil internacional e, por fim, um relatório com as demandas de expoentes das organizações da sociedade civil brasileira.
Foto: ONU Brasil
Uma lente sobre o posicionamento brasileiro
A pesquisa sobre os discursos brasileiros abre para a sociedade, de forma sistematizada, as posições defendidas pelo governo para a agenda pós-2015 na ONU. Intitulada Estado da arte da discussão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil, a análise revela as 100 palavras-chave mais utilizadas entre setembro de 2012 e março de 2014. Observa-se o destaque para os termos “pobreza”, em referência à sua erradicação, e a palavra “mais” combinada com termos “desenvolvimento” e “social”.
Além do mapa de palavras, foram identificados 11 temas principais propostos para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e 15 para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Alguns desses temas em destaque são: Combate à pobreza extrema (inclusão social, políticas eficientes, garantia de acesso universal); Mudança nos padrões de consumo e produção (educar, incentivar, reduzir); e Água (gerenciamento, governança, atenção aos aquíferos).
Ao todo, 24 discursos cedidos ao Centro RIO+ foram analisados. Boa parte cobre a participação do Brasil nas sessões em Nova York do Grupo de Trabalho Aberto sobre os ODS (GTA-ODS).
Um ator influente, mas nem sempre atento aos demais
O estudo observa ainda a percepção da sociedade civil internacional que acompanha mais diretamente a participação brasileira nas sessões do GTA-ODS. Muitas delas consideram alta a credibilidade do país ao lidar com questões de erradicação da pobreza; percebem o empenho em lidar com o tema do desenvolvimento; e a capacidade de influenciar os demais.
Mas as organizações fazem uma crítica ao identificarem o Brasil como um ator muito apegado aos próprios interesses. “Elas consideram que parte das propostas leva em conta mais o que é bom apenas para o Brasil — que nem sempre sabe exatamente o que é bom para os outros países”, esclarece o especialista em políticas do Centro RIO+, Márcio Pontual, um dos responsáveis pelo estudo.
A agenda da sociedade brasileira: uma luta por direitos
No caso da sociedade civil brasileira, as recomendações apresentadas fazem parte do relatório “Desenvolvimento Sustentável na Agenda Pós-2015: construindo a perspectiva do Brasil”. O documento é fruto de uma oficina realizada no Centro RIO+, em fevereiro deste ano, que reuniu funcionários do alto escalão de ministérios do governo brasileiro e 41 organizações nacionais.
Entre as recomendações estão a definição de princípios guias que promovam a democracia e reduzam a desigualdade; a luta contra a corrupção; e a promoção da garantia dos direitos e da justiça social.
“O Brasil é importante, mas ele fica mais importante se tiver um posicionamento de país e não só do governo”, afirma Paes, acrescentando que o empenho do país em garantir a participação social é reconhecido internacionalmente.
A expectativa é que as contribuições do Centro RIO+ sirvam para o governo continuar a defender globalmente o legado da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que no próximo dia 20 de junho completará dois anos.