A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) recebeu positivamente nesta terça-feira (21) o plano europeu para lidar com os desafios da migração irregular no Mar Mediterrâneo. No entanto, a agência reforçou que a prioridade deve continuar sendo salvar vidas, depois que centenas de refugiados e migrantes morreram no mar.
Na segunda-feira (20), funcionários de Malta em Senglea recolhendo corpos da tragédia que ocorreu no Mediterrâneo no último fim de semana. Foto: ACNUR/F.Ellul
Na última segunda-feira (20), a União Europeia propôs um plano de ação de 10 pontos, em resposta aos naufrágios no Mar Mediterrâneo que resultaram em um recorde de mortes registrado pela ACNUR.
De acordo com sobreviventes entrevistados pela organização, o barco partiu de Trípoli, na Líbia, na manhã do último sábado (18), com 850 pessoas a bordo, incluindo 350 eritreus, assim como pessoas da Síria, Somália, Serra Leoa, Mali, Senegal, Gâmbia, Costa do Marfim e Etiópia.
“Apenas 28 pessoas sobreviveram ao naufrágio, entre elas um homem de Bangladesh que foi levado de helicóptero a um hospital em Catânia, na Sicília, no domingo [19]. Outras 27 desembarcaram em Catânia na noite de ontem [segunda-feira, 20] transportadas por um navio da guarda costeira italiana”, disse o porta-voz do ACNUR, Adrian Edward, a jornalistas em Genebra.
“Com base nas informações disponíveis e nas diversas contagens que fizemos, o ACNUR acredita que o número de mortos pode ultrapassar 800, o que faz deste o naufrágio mais mortal já registrado no Mediterrâneo”, concluiu.
Segundo a equipe do ACNUR em Catânia, os sobreviventes estão cansados e nervosos. Trabalhadores humanitários entregaram a eles roupas e comida. “Foi evidente perceber o medo nos olhos de um homem, sua cabeça baixa e as mãos nos bolsos”, escreveu Kate Bond, do ACNUR. “Um dos sobreviventes nos disse que suas crianças estavam a bordo do barco. Até agora, nenhuma delas foi encontrada, embora as operações de busca e resgate continuem”, afirmou Kate.
Os refugiados e migrantes foram levados até um centro de recepção, onde receberam cuidados médicos. Em seus rostos, o assombro e o olhar perdido pela janela do ônibus que os transportava noite adentro.
“Os sobreviventes pareciam exaustos, frágeis, aterrorizados de ver tanta gente esperando por eles. Eles precisarão de apoio psicológico, e já estão recebendo comida e água”, disse a porta-voz da ACNUR em Catânia, Carlotta Sami.
As sucessivas tragédias que causaram a morte e o desaparecimento de cerca de 1.600 migrantes no Mediterrâneo haviam mobilizado um dia antes diversas lideranças da ONU, que lançaram um apelo conjunto aos países europeus para “deixar a indiferença de lado” e tomar medidas rápidas, coletivas e corajosas para evitar novas tragédias.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, afirmou que o Mediterrâneo se transformava rapidamente em um “mar de miséria” para milhares de migrantes e reforçou o pedido para caçar as redes criminosas por trás dessa tragédia, bem como aumentar os esforços para o resgate dos migrantes.
Europa “virou as costas para os migrantes”, diz chefe do escritório de direitos humanos
Para o alto comissário da ONU para os direitos humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, a Europa havia “virado as costas para os migrantes” ao adotar um modelo de resgate inferior ao usado até o ano passado. Até esta terça-feira (21), a Operação Triton se concentrava em patrulhar as fronteiras europeias e colocava menos ênfase em monitorar as vidas que padeciam no mar. Zeid lembrou que deter o resgate de migrantes não implicou em uma menor imigração, muito menos em uma diminuição do tráfico humano.
O Fundo da ONU para a Infância (UNICEF) também se somou a esse pedido e alertou que são as crianças que carregam o maior peso dessa imigração ilegal e suas repercussões.
“As crianças que se encontram nestas travessias são expostas a abusos, exploração e possivelmente mortes e, se elas sobrevivem, são colocadas em condições inseguras e inapropriadas e/ou são criminalizadas”, explicou a agência da ONU. “Não importa se elas têm status de refugiadas ou migrantes, crianças devem ser cuidadas em um lugar seguro, não em um centro de detenção, sem acesso a educação, saúde e serviços sociais ou legais, com a implementação de mecanismos de proteção, especialmente para aqueles mais vulneráveis.”
Na segunda-feira (20), o alto comissário da ONU para Refugiados, António Guterres, havia expressado sua consternação pela tragédia, precedida de outra ocorrida mais no início deste mês, onde 400 vidas se perderam. Em outubro de 2013, 600 pessoas morreram em dois acidentes simultâneos em Lampedusa.
“Esta tragédia confirma a urgência de se restaurar uma robusta operação de resgate no mar e estabelecer vias legais de entrada na Europa. Do contrário, as pessoas em busca de segurança continuarão perecendo no mar”, disse Guterres em um comunicado de imprensa no último domingo (19). “Além disso, a situação aponta ainda a necessidade de uma abordagem compreensiva da Europa para lidar com as causas que levam tantas pessoas a este fim trágico. Espero que a União Europeia se posicione sobre o tema, assumindo um papel decisivo na prevenção de futuras tragédias”, disse ele ainda na segunda-feira (20).
O ACNUR tem defendido uma resposta rápida da União Europeia para lidar com os desafios enfrentados pelas milhares de pessoas que arriscam a vida buscando segurança na Europa. Entre as propostas feitas pela agência da ONU estão uma operação de busca e resgate mais robusta, assim como uma via legal para a busca de segurança – como reassentamento, vistos humanitários e o fortalecimento da reunificação familiar.
Os ministros do Interior e das Relações Exteriores da União Europeia se encontrarão nesta semana em Luxemburgo para discutir as mortes no mar. Somente neste ano, até agora, mais de 36 mil refugiados e migrantes chegaram ao sul da Europa de barco e – se os dados forem confirmados – mais de 1.700 morreram. Em 2014, aproximadamente 219 mil pessoas cruzaram o Mediterrâneo e 3.500 morreram na travessia.