“Fui ‘hackeado’ pela política no Capão Redondo, bairro onde moro e um dos maiores currais eleitorais de São Paulo. Discutir política é chamar a responsabilidade, porque desde pequeno via que o único problema que a associação de bairro resolvia era arrumar ônibus quando morria alguém. E só. Isso sempre me incomodou. Pô, se o cara é presidente de bairro – eu já fazia uma ligação com o presidente da República –, ele pode fazer alguma coisa. As últimas duas ruas do bairro foram asfaltadas no começo de 2013 durante a gestão da associação em que eu era vice-presidente. Foi uma coisa louca na minha vida que me disse que eu podia brigar por coisas maiores. Deixei a associação e conheci a mulher da minha vida, que me disse que eu precisava ganhar dinheiro também”.
Esse é o relato de Bruno Santos, que agora está à frente do Ateliê Sustenta CaPão, uma padaria sustentável. Além disso, trabalha para promover a criação de uma rede de empreendedorismo no bairro do extremo sul da cidade de São Paulo. Também chamado de Bruno “Capão”, ele é um dos jovens que representa essa nova geração que não espera respostas, não se identifica com os partidos nem com os políticos e faz suas próprias mudanças, como mostra a pesquisa “Sonho Brasileiro da Política”, realizada pela agência de tendências Box1824. O trabalho foi custeado por doações da sociedade civil e é continuidade do projeto “Sonho Brasileiro”, que em 2011 estudou jovens em todo o país e identificou seu perfil inquieto e seu interesse por questões do coletivo.
Jovem não quer votar em partidos, mas em causas, diz pesquisa da agência Box 1824. Foto: Divulgação
Mesmo após a onda de manifestações de julho de 2013, partidos e políticos parecem não dialogar com os jovens que não querem votar em pessoas, mas em ideias. Entre os entrevistados, 67% não têm partido político de preferência, 53% não simpatizam com nenhum deles. E eles dizem não querer votar em partidos, mas em causas. “Em tempos de campanhas eleitorais, está nítida a incapacidade dos partidos de acolherem o jovem contemporâneo, seus anseios e linguagem. Nenhuma das campanhas presidenciais soube usar a energia das ruas e levantar as bandeiras dos jovens. Os partidos seguem falando para si entre si”, diz Beatriz Pedreira cientista social e também uma das coordenadoras da pesquisa.
Para responder “Por que 2013 foi tão marcante na história do país?”, a pesquisa contou com a participação de 1400 jovens, entre 18 e 32 anos de idade. Este recorte atinge os nascidos entre 1982 e 1996, período que começa na redemocratização e vai até o surgimento da internet. Na etapa qualitativa, participaram 300 jovens que já atuavam politicamente. A partir destas conversas, foram criados os questionários para a fase quantitativa, onde participaram 1128 jovens das classes A, B e C.
O levantamento mostra que 91% dos entrevistados tomaram conhecimento das manifestações e 18% saíram às ruas, o que significa em números absolutos 6,5 milhões no chamado “encontro do jovem com a democracia”.
Enquanto 68% declaram que a questão de segurança é algo “muito problemático” onde vivem e 61% simpatizam com a cultura de paz como bandeira
Quem acaba representando as causas dos jovens são os próprios jovens, especialmente dois perfis levantados pela pesquisa: os Agentes e os Mobilizadores, que representam 16% dos jovens pesquisados (mais de 6.5 milhões de jovens). Estes perfis têm alto poder de influência sobre outros jovens e familiares. 49% declaram que influenciam mobilizando pessoas em torno das causas/ideais e atitudes com as quais se identificam.
Desde 2011, quando a pesquisa Sonho Brasileiro foi realizada, a percepção de que o jovem é um agente de mudanças aumentou consideravelmente. Há três anos, 20% dos entrevistados acreditavam que pessoas que se organizam em torno de uma causa comum estavam efetivamente promovendo mudanças na sociedade. Em 2014, este índice aumentou para 36% na faixa 18-24 anos. Da mesma forma, em 2011, 20% acreditavam que jovens da sua geração estavam provendo mudanças, índice que subiu para 35% em 2014. Entre os jovens de 18 a 24 anos, a percepção de que os governantes estão ajudando a sociedade a mudar é de 22% dos jovens, enquanto 60% acreditam que eles são responsáveis por isso.
Veja histórias de outros jovens mobilizadores sociais:
Romário Régis, Agência Papa Goiaba – Coordena a agência de comunicação comunitária Papa Goiaba, em São Gonçalo (RJ) que produz conteúdo e vídeos. “Todo mundo que fala em mobilização social, sempre pensa numa pauta ou causa, mas o jovem popular ele nem sempre se organiza assim. Eu fui para a comunicação porque as meninas bonitas da minha escola faziam o jornal comunitário. Tem um processo que é intrínseco que você pensa na participação política. O jovem que faz vestibular em um território popular já está produzindo um ato político de resistência, mas ainda não entendeu a nomenclatura do que está fazendo e precisa de uma legitimação vinda de foram”.
Ana Paula Lisboa, Agência de Redes para Juventude – Moradora do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro (RJ), trabalha com financiamento de projetos de jovens que moram em favelas: 60 já receberam R$ 10 mil. ”Eu estava pensando nessa semana na minha bisavó, que dizia que política é coisa de rico, que não tem que ficar falando disso, que não é para a gente”, mas depois fui perceber que dentro de casa a gente falava muito sobre ditadura e discutia Bolsa Família – até porque 80% das mulheres da família recebem -, a mobilidade urbana, porque falávamos do trânsito e do ônibus que não parava, o passe livre. Pô, mas a gente está discutindo política, não é coisa de rico”.
Aline Cavalcante, O Gangorra – Após a morte de duas amigas, começou a atuar para que a cidade começasse a respeitar ciclistas em São Paulo. “Hoje a cidade vive um momento muito especial em relação a isso não por culpa minha, mas de um grupo. Isso é um ensinamento dessa nova política, onde não tem só um responsável”.
Mariana Ribeiro, Imagina na Copa – Viajou o país durante dois anos para ouvir e documentar histórias de jovens transformadores. “Entendia que meu trabalho precisava estar a serviço de algo maior, não só a mim por conta de um salário no fim do mês”.
Ricardo Martins, Bom Senso Futebol Clube – Começou a trabalhar com projeto empoderamento comunitário após as enchentes de 2008 em Santa Catarina. Atua em movimento pela reforma política e se envolveu com Bom Senso F.C., que busca mudar o futebol brasileiro. “Vi que o caminho que escolhi fazia sentido para mim foi quando consegui levar 20 jogadores para o Congresso Nacional para brigar para que uma lei absurda não passasse”.
Anna Lívia Arida, Minha Sampa – trabalha com mobilização da sociedade civil para tornar a cidade um lugar melhor para as pessoas, com canal direto entre o cidadão e quem toma decisões. “A ideia da injustiça sempre me incomodou muito e sempre tive vontade de trabalhar para tornar o mundo mais justo. Meu pai (Pérsio Arida) sempre falou sobre uso de contatos e recursos para fazer diferença na sociedade”.