Essas foram algumas das perguntas que inspiraram um grupo de estudantes do nono ano a darem um passo em direção ao seu território, em Aricanduva, na zona leste de São Paulo. Passo este que logo se tornou uma caminhada de estudantes de diversas turmas, de professores, coordenadores, de uma escola e de um bairro. Encontrando em seu entorno aquilo que queriam ver diferente, a comunidade escolar passou a agir nos espaços, misturando ação e aprendizado em um processo que deixará marcas profundas.
O projeto ‘Para além dos muros da escola: intervindo no Jardim Maringá” foi uma das onze escolas selecionadas na edição 2016 do Desafio Criativos da Escola.Estudantes participam de atividade no espaço público do Jardim Maringá. Foto: Divulgação
O projeto “Para além dos muros da escola: intervindo no Jardim Maringá”, da EMEF Assad Abdala, foi uma das onze escolas selecionadas na edição 2016 do Desafio Criativos da Escola. A iniciativa visava, a partir de ações coletivas, transformar espaços públicos, como uma praça do bairro, um clube, um escadão e um centro comunitário.
Quem conta essa história é a professora de língua portuguesa Claudia Acorinte da Costa, uma das responsáveis por coordenar o projeto. Segundo ela, o processo se reporta diretamente à instauração dos Trabalhos Colaborativos Autorais, os TCAs, implementados na escola desde 2014, com a adesão ao programa Mais Educação São Paulo.
A partir dele, os estudantes começaram a pesquisar temas que lhes interessavam e os professores repararam que eles se sentiam muito incomodados com o lugar onde viviam. “Eles sentiam uma baixa auto-estima muito forte com seu território. Então resolvemos agir justamente nisso.”
Com o diagnóstico da situação, foram às ruas e praças do bairro. Todo material usado para grafitar, construir e requalificar os espaços veio da escola e de doações da comunidade. “Os familiares no começo tinham medo, pois eram áreas perigosas. Mas logo passaram a acreditar no trabalho desenvolvido, assim como os estudantes dos 6º e 7º, que começaram a integrar nossos esforços.”
Protagonismo estudantil
Divididos em comissões, aplicavam saberes escolares para compreender e transformar os espaços. A professora conta que a matemática foi aplicada para pensar nas mudanças estruturais, o português nas entrevistas com moradores da região e outras frentes dos projetos, como comunicação e arquitetura e urbanismo, foram instrumentais para pensar e divulgar as ações.
“A aprendizagem fica muito mais rica quando é aplicada. Hoje a gente não tem dúvida de que eles crescem muito mais assim. Pretendemos inclusive trabalhar com projetos e roteiros de pesquisas, nos moldes que vemos hoje em escolas como a EMEI Desembargador Amorim Lima“, projeta.
“O protagonismo estudantil, essa ideia de que se eles não participarem de suas realidades, ninguém vai fazer por eles, foi algo muito forte que vimos na fala dos estudantes. Isso mudou radicalmente a relação com o bairro e com a educação”, acredita Cláudia, que também ressalta o envolvimento e apoio da direção e da coordenação da escola no processo. “Sem isso, nada teria saído do papel. Agora temos até professores sendo realocados para nossa escola, para aprofundarmos cada vez mais a transformação”.
O projeto teve também o apoio dos programas Mais Educação, Mais Educação São Paulo e São Paulo Integral. “Isso nos traz algo muito interessante. Ele é a prova concreta de como uma política pública pode destravar potenciais de um determinado local”, analisa Gabriel Salgado, assessor do projeto Criativos da Escola, do Instituto Alana.
“Não há dúvida de que os jovens produzem cultura, arte e política, mas quando nos propomos a reconhecer a participação ativa dos estudantes e seu papel de sujeitos, que muitas vezes floresce de maneira silenciosa nos corredores escolares, eles são capazes de crescer e inclusive ultrapassar a política”, afirma.
Escola criativa
Salgado acredita que o projeto, que foi um dos onze escolhidos entre um total de 1.014 enviados para o Desafio Criativos da Escola, têm como grande potência a sua inserção no território. “Ele mostra como a ação direta dos estudantes – com apoio dos professores – é capaz de transformar uma comunidade, ao mesmo tempo em que traz um ganho para a qualidade da educação”.
Ele também considera que esse processo incrementa a formação e a capacidade de ação dos professores, oxigenando o ambiente escolar. “Um professor que reconhece a participação estudantil é um resistente. Que eles possam seguir efetivando suas pretensões de colocar em prática uma educação mais democrática e transformadora”, finaliza.
*Reportagem publicada originalmente na Plataforma Cidades Educadoras e reproduzida pelo portal Porvir.