Foto: Jvangalen / Sxc.hu
Como pais de adolescentes, não sei dizer o que ocorre conosco quando nos deparamos com a fase da adolescência. Somos acometidos por um lapso de memória, uma quase amnésia ou outro fenômeno fisiológico que nos impede o acesso ao nosso banco de dados.
Percebo que ao nos vestirmos (nós os pais) para encararmos a "festa" da adolescência, ficamos sem saber que roupa usar, como nos comportar, que moda seguir. Literalmente, esquecemos que já fomos adolescentes, que passamos por esse momento de forma leve ou conturbada, mas passamos e estamos aqui!
Será que isso não nos diz nada? Será que, justamente nessa fase, esquecemos que tudo é um ciclo ? Não seria muito mais fácil resgatar as lembranças dos nossos comportamentos quando éramos adolescentes para entendermos melhor o adolescente que temos em casa ou no banco escolar da nossa classe?
Eis aí um desafio. Procurar, relembrar, vasculhar o nosso baú para enteder o que aconteceu conosco há 15, 20, 30 anos?
Vocês devem estar me achando louca. Como assim comparar a adolescência a uma festa! Digo festa, porque é assim que a encaro. A adolescêcia para mim é uma festa! Não aquela festa íntima, em família, com hora marcada para o começo e o fim. Não! Festa mesmo, festança, com direito a tudo... tudo mesmo. Música alta (de boa e má qualidade), gente conhecida, gente desconhecida, experiências novas, sentimentos que aparecem sei lá de onde, uma gama enorme de "ofertas", saber a hora certa de ligar o pisca alerta, dar de cara com os perigos, passar pelos excessos, derrapar nos exageros, pagar mico, aprender que limites existem e temos que conhecê-los, fazer escolhas, separar o que é bom e o que pode se tornar encrenca e errar. Sim, errar! Cometer erros faz parte, sobretudo nessa fase. Cabe a nós, pais, entender esses erros porque a grande maioria deles já fizeram parte das nossas vidas.
Cabe a nós investirmos mais no resgate das nossas lembranças que, as vezes, foram boas, as vezes nem tanto. Mas o registro das boas e más lembranças serão fundamentais para que possamos nos preparar com eles para essa "festa". Creio que assim eles saberão como encara-la, chegar em casa cheios de novidades para contar e dúvidas para compartilhar. E, a nós, ter a satisfação de perceber que eles são o que nós já fomos e na grande maioria das vezes numa versão melhorada!
Nossa querida amiga, a psicóloga Fernanda Rossi, me ajuda, como mãe, a entender a adolescência e complementa meu post com o artigo "Uma reflexão sobre a adolescência".
Começo essa reflexão com um questionament.o: por que é tão fácil aceitar os erros de uma criança e tão difícil entender os de um adolescente?
Pensei nesta pergunta por perceber o quanto muitas vezes se espera de um adolescente uma responsabilidade e até mesmo capacidades que ainda estão se formando tanto em seu psiquismo, quanto em seu intelecto. Parece que esquecemos muito facilmente disto. Vemos aquele garoto(a) grande, que já está – ou até ultrapassou – a altura dos pais, que em tantas coisas já se mostra capaz e independente, de repente dando uma mancada ou demonstrando uma dependência que não parece compatível com a idade. Mas, pais, aqui vai um aviso: um adolescente ainda é ser em formação!
Sendo assim está em plena fase de aprendizado e tanto quanto uma criança ele precisa de sua paciência, tolerância e muita, muita conversa, pois a adolescência é um período evolutivo onde ocorrem transformações biopsicossociais. O que significa que o corpo (bio) muda, a mente (psico) muda e o grupo social também vai mudar. É muita coisa, não é?! E diante de tantas mudanças fica realmente difícil estar calmo. Vamos lembrar que são hormônios que ficam em ebulição (ora em grandes quantidades deixando-os elétricos, ora em poucas deixando-os deprimidos), mais os órgãos sexuais que mudam, crescem, e aparecem e eles não sabem como lidar com este novo corpo. E tudo isso só no campo biológico.
No sentido psíquico a adolescência é o momento de transição entre o conhecido mundo da criança para o desejado e temido mundo do adulto. Onde se faz necessário abandonar comportamentos antigos em prol de novos, que precisaram ser desenvolvidos. Assim, é uma fase de organização da identidade.
Essa fase se inicia antes mesmo da entrada na puberdade (mudança corporal) por volta dos 8 aos 10 anos quando a criança, até mesmo por questões de maior capacidade intelectual, passa a compreender algumas realidades da vida como a morte, as regras, o valor do dinheiro, as limitações dos pais e outras mais. E só acaba quando o indivíduo tem condições de responder de forma independente a todos os segmentos de sua vida: profissional, financeiro, afetivo etc. Por isso a adolescência é tão única para cada um, alguns desenvolvem esta independência mais rapidamente e outros demoram mais. Aos pais cabe ensinar e ajudar nesta transição.
Sendo importante lembrar que a maior característica da adolescência é a imaturidade. Um adolescente é um ser em essência imaturo! Por isso precisa tanto de orientação, não de bronca. Eles verdadeiramente não são ainda capazes de fazer certas escolhas, precisam de supervisão. Mas além desta, há outras características que os descrevem: inconsequência (não conseguem medir os perigos), indisciplina, questionamento da autoridade (de todos que representarem a lei sobre eles: pais, professores, policiais…), desejos sexuais, busca de maior liberdade, oscilação de idéias e, por último, mas não menos duro, a necessidade de contradizer (para isso demonstram pontos de vista e preferências tão opostas aos que estão a sua volta). Todas essas características são naturais desta fase e são saudáveis no sentido de serem necessária para a construção da identidade.
As maiores necessidades de um adolescente na verdade são duas: Regras e Cuidado. Eles necessitam ter alguém em quem se espelhar, ter um referencial, alguém que lhes dê rumo. Se não encontrarem isso em casa, vão procurar fora, como em ídolos, mídia, religião ou drogas.
Isso significa que os jovens precisam de adultos fortes e que resistam ao enfrentamento, porque é isso que um adolescente faz o tempo todo: enfrenta os pais. Por isso não cabe a amizade. A linha divisória entre o adulto e o adolescente proporciona segurança. Eles tentam seduzir, mas gostam de limites e regras, isso faz com que se sintam seguros. A amizade virá depois, quando ficarem adultos, maduros. Com os amigos se tem segredos, com os filhos é necessário ter privacidade, tanto para eles quanto para os próprios pais, é o que lhes possibilita ter espaço para crescer.
O papel dos pais nesta época é sobreviver. Não se perder, não se desestruturar. Saber que é uma fase difícil, mas que eles são os pais e a eles cabe o cuidado. Lembrando sempre que não há regras específicas. Há as regras de cada família. Essas precisam ser bem definidas. Os pais devem ter clareza no que querem e esperam dos filhos e seguir seus princípios: de tempos em tempos precisam esclarecer para si mesmos e para os filhos seus objetivos de vida, seu código ético e moral.
Contudo, um fator complicador nesta etapa é que conforme os filhos crescem denunciam que os pais estão envelhecendo. Além do que, durante a adolescência, a visão dos filhos sobre os pais varia entre idealizados e denegridos. Só o tempo traz uma visão inteira, onde cabem capacidades e limitações sem um lado menosprezar o outro. Porém, no tempo em que dura este olhar parcial, os pais acabam por entrar em contato com seus fracassos, impotências e desilusões. Os filhos apontam isso e o adulto precisa aceitar esse desafio, que normalmente é desagradável e doloroso. Por isso, os pais precisam resolver essas angústias dentro de si, admitir seus fracassos, tentativas, erros e finitude. Isso os torna humanos e possibilita uma relação realista com os filhos e que esses também possam aprender a se aceitar e a desenvolver uma auto-estima saudável.
Os pais precisam aguentar, saber que este olhar, opinião ou comportamento não é definitivo, lembrar que só existe ódio de quem se ama. Brigar não é ruim, não é errado. Briguem, mas depois conversem!
Muito se fala do quanto os jovens atualmente estão sem iniciativa e uma das razões disto é a falta de firmeza, de limites. Pois é o não (com bom senso é claro) que vai preparar os filhos para o futuro, vai provocar neles desejo de crescer e de buscar cada vez mais por seu próprio espaço em todos sentidos. Para que vou almejar por algo se tenho tudo?
Entretanto, hoje em dia é muito mais difícil ser adolescente do que no passado. Há uma dupla mensagem: de que tudo é mais fácil (fast food, computador, internet, portas magnéticas, cartões de crédito etc) ao mesmo tempo em que tudo é mais exigente (é mais difícil se relacionar, se colocar no mercado de trabalho, conquistar uma vida digna etc). Essa mensagem dúbia confunde, angustia e adoece. A depressão, ansiedade, pânico, transtornos alimentares e drogadição são, em geral, reflexos deste adoecimento.
Se os pais também ficam confusos, deixando de ser pais para ser amigos, a situação fica ainda mais caótica.
A “cura” vem com o tempo, com o amadurecimento, não dá para apressar, demora. Às vezes mais outras menos, mas nunca antes dos 21 anos, é por volta dele para mais. A mudança é gradual – a imaturidade vai cedendo espaço à maturidade. As mudanças são passo a passo com contestações e questionamentos.
Aos pais cabe colocar as regras, aceitar o enfrentamento, não se confundir, acolher as mudanças na relação com os filhos de idealizada para realista (em algumas vezes até decepcionadas), receber as críticas e encarar suas próprias verdades e frustrações.
Não é fácil, pois os pais criam uma expectativa de que seus filhos, tendo sido criados de forma singular como foram, serão diferentes dos outros adolescentes. Sentem que semearam um bebê e colheram um monstro. Esquecem que a rebelião pertence à liberdade que deram aos filhos quando os criaram de modo que existissem por si próprios. O que é tão positivo e necessário na vida.
Bibliografia
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