Para fecharmos o ciclo de reflexões sobre o tema "Amor Demais", como mãe e editora, quero compartilhar com vocês o que senti ao ler os originais do livro "Amor Demais - Afinal, existe uma medida certa na relação com os filhos?"
Mãe e filho. Foto: Beat Küng/Flickr
Confesso que fui arrebatada, tanto pelo aspecto editorial quanto pelo sentimental do conteúdo do livro. Não tive como avaliá-lo apenas como editora, meu lado materno cochichava ao meu ouvido a cada capítulo lido. Perguntava-me: como pode o amor de uma mãe ou de um pai ser prejudicial a um filho? Amor é sempre bom, nunca pode ser ruim?
No entanto, ao ler os relatos de casos que o Dr. Poli acompanhou, entendi que podemos sim, com a maior facilidade “amar demais” os filhos, sem nem mesmo nos darmos conta disso. Identifiquei-me e consegui enxergar ao meu redor várias crianças, adolescentes, homens e mulheres que são e foram amados demais. Creio que vocês também terão a mesma impressão ao ler o livro.
Sem dúvida, a temática do livro é delicada e polêmica. Na verdade, eu a considero urgente!
Ninguém gosta de ser colocado em xeque, certo? Principalmente quando se trata da educação dos filhos. Portanto, é preciso estar atento para não confundir amor com afeto, com atenção, com disponibilidade e permissividade, com culpa. O amor é muito mais amplo, muito mais profundo e complexo. Não é possível amar de corpo e alma, amar concretamente, se o amor não for autêntico. E amor autêntico requer reciprocidade, justiça, força e temperança. Para amar não é preciso anular-se, não é salutar amar submetendo-se ao outro. Amar não é dizer sim para tudo e nem dizer "deixa pra lá"... "ele é tão pequenino"... "depois que crescer vai melhorar". Ou, ainda, conviver com o fantasma da culpa: "já trabalho o dia todo, o pouco de tempo que tenho quero dedicar a estar com meu filho". Nem sempre estar é ser. Quando somos o nosso filho, não estamos com ele 100%. Muitas vezes estamos nos projetando nele, vivendo e realizando o que não pudemos ser ou ter.
Complicado, né?
Será que isso é amor? Será que não estamos confundindo as coisas?
O mundo cultua a maternidade, por mais que esteja mudando com uma participação mais ativa da figura paterna, ainda coloca a carga do “educar” nas costas das mães.
Mas além de mães, somos mulheres e queremos ser verdadeiras, livres, vivas, felizes e seguras de termos amado e educado os nossos filhos para serem pessoas dignas, felizes, realizadas e devidamente ajustadas e inseridas na nossa sociedade.
E, por outro lado, os nossos filhos têm necessidade de independência, têm o direto conhecer e viver o amor autêntico, o amor produtivo, para que possam repassá-lo aos seus filhos também.
Para fechamos, pelo menos aqui no nosso blog, a temática "amar demais", convidei a psicopedagoga e escritora Regina Pundek para dar a sua visão de amor em demasia, à luz da pedagogia. Espero que esse post seja provocativo o bastante para deixá-los com a pulga atrás da orelha!
Amor Demais, à luz da pedagogia
Regina Pundek
Quando a editora Andréa Vilela, me convidou para fazer a apresentação do primeiro livro do Dr. Osvaldo Poli , eu não tinha a menor ideia do que viveria. Contudo o título, tão próximo da realidade social e afetiva que me cerca, foi provocação suficiente para que a resposta fosse afirmativa.
Dr. Poli desmistifica a culpa da mãe – ele compreende que ao assumir essa culpa ela exagera e ultrapassa limites de doação afetiva, gerando filhos tiranos que se tornam inadequados socialmente. Ao tirar de seus ombros essa culpa e incitá-la a legitimar seus sentimentos e a exigir reciprocidade, o autor mostra uma saída deste labirinto onde encontramos tantos mimados, folgados, acomodados, intolerantes, desocupados e agressivos.
A obra é toda baseada em experiências de terapia familiar em consultório, tanto de crianças pequenas como de adolescentes e adultos. São histórias comuns em nosso dia a dia e, muitas vezes são vistas pelos protagonistas como banais e não mais dignas de tratamento. Também por esse motivo, o livro surge como uma revelação deste comportamento distorcido e assumido pelas famílias que, ao não tomar posse de seus problemas, contribui para a criação de uma sociedade formada por jovens que não sabem se relacionar, agridem e chegam a matar inescrupulosamente.
Refletir sobre a intervenção educativa a partir do diagnóstico de vivências reais que nos escandalizam, é assumir a responsabilidade que cabe a cada um de nós, educadores, sejamos pais, professores ou coordenadores pedagógicos. Trata-se, portanto de um livro denúncia, pois expõe as feridas que tão bem conhecemos, seja nas nossas casas, nas escolas e até nas faculdades. Afinal, onde quer que estejamos ouvimos histórias de filhos amados demais provocando indignação e sofrimento.
Ao apontar que tudo pode terminar bem, que há possibilidade de cura comportamental, o autor possibilita o surgimento de um novo modus operandi que vai certamente alterar o modus vivendi. Essa esperança é vivificada no último capítulo, especialmente quando ele fala do reconhecimento da culpa pelo filho. Sem aceitar essa ferida, o filho não se torna responsável por si. Logo a seguir, Poli faz o reconto de A Bela Adormecida, colocando uma luz singular num enredo que tão bem conhecemos. Quando a princesa se depara com o “aspecto doloroso da vida” ela não encontra forças para lutar. O resto é conto de fadas, ou seja, o príncipe que a salva é ilusão e utopia. O resgate do bloqueio psicológico precisa ser vivido na alma, enfrentado as verdades da vida e assumindo responsabilidades.
Parafraseando Rubem Alves: “Ideias são pimentas que podem provocar incêndios nos pensamentos. Para provocar um incêndio, não é preciso fogo. Basta uma única brasa”. Eis o livro. Eis a brasa.