Nas próximas semanas, minha sugestão de tema para o nosso blog será o “Amor”, especificamente o amor na relação entre pais e filhos e, principalmente, o excesso dele, quando vai além da conta, ultrapassa o limite do saudável. Você pode estar pensando: "mas amor é bom em qualquer quantidade!"; "nunca é demais"; "por ser amor, não pode ser ruim!". Será mesmo? Afinal, existe uma medida certa quando se trata do amor na relação com os filhos?
O tema é atual e polêmico, acontece em grande parte dos lares brasileiros e as escolas constatam as agruras desse desequilíbrio. Pode afetar o ser humano nas diversas fases da vida, levando-o a sérias consequências psicológicas e comportamentais. Sem sombra de dúvida, coloca os pais em cheque. Eu diria que é preciso muita coragem para abordá-lo.
É um tema urgente e deve ser abordado com seriedade. Para começarmos a conversar sobre o amor demais, convidamos a psicóloga Fernanda Rossi, que com maestria aborda essa questão e seus desdobramentos.
AMOR DEMAIS
Por Fernanda Rossi*
A experiência mostra que pessoas que são muito amadas tendem a serem as mais ingratas. Filhos que foram muito amados são os que mais dão trabalho quando crescem. Namorados (as) que foram muito amados tendem a ser bastante sacanas no fim do relacionamento. Quem não conhece casos assim?
Amar demais em geral é sinônimo de fazer tudo pelo outro. Deixam de dar para si mesmo por amor ao outro. Privam-se, deixam de lado, se doam, se entregam totalmente e sem reservas, deixam de dizer coisas para não magoar, passam a mão na cabeça para amenizar sofrimentos que a vida traz, diminuem as verdades na tentativa de suavizar dores, engolem sapos e lagartos e tudo isto é entendido como sinal de amor, ou pior de amar demais. E por fim, esta
pessoa que você tanto amou, se entregou e fez de tudo vai te deixar e ainda te dizer coisas absurdas.
Bem, vamos repensar isto. Amar não é nada disto. Amar é cuidar do outro sim, é estar junto, é apoiar, acompanhar e valorizar o outro, mas em nenhum momento é se auto abandonar. Amar alguém não é obscurecer as verdades e nem passar por cima de seus princípios, pois isto é falta de amor próprio. E de uma grande inversão de valores. Em nome do amor pelo outro se desvaloriza e desconsidera. E espera, magicamente, que o outro te valorize e considere. Seria isto possível?
Quem se valoriza é valorizado.
Quem se impõe é respeitado.
E o contrário é verdadeiro na mesma intensidade.
Os pais tendem a serem as maiores “vítimas” neste sentido, pois já viveram mais e sabem que a vida é feita de dores e que algumas são bastante intensas. Um desejo imenso que os pais têm é de impedir que seus filhos passem por tais emoções. Contudo, ao tentar privá-los disto, os impedem de amadurecer. Pois só se aprende a enfrentar a vida com a verdade, ou seja, encarando a realidade. A cada momento em que os pais tentam amenizar o sofrimento estão impedindo o filho de desenvolver capacidades de enfrentamento. Não é abrandar a dor e sim estar ao lado para enfrentar junto, não é enfrentar por ele, é ajuda-lo a pensar em alternativas ou quando não houver é chorar e viver a dor em companhia, aliás, que grande aprendizado saber que nas horas difíceis temos com quem contar. Pais esquecem muito facilmente que venceram seus próprios sofrimentos, isto não um indicio de que os filhos também são capazes?
Temos medo do sofrimento e por isso tentamos aplacá-lo para não alcançar quem amamos, contudo isto não ajuda em nada. Ao contrário, só prejudica. Acaba-se por criar um mundo fantasioso e irreal. Depois quando os filhos crescem e já não se pode mais protegê-los a dor os alcança e, neste momento, os filhos percebem o quanto são incapazes de se defender. E o que eles fazem? Voltam-se contra os pais acusando-os como se fossem culpados por suas mazelas, pois todo o ódio que estão do mundo se volta contra quem mais os ama. Injusto não é? Sim, muito!!! Mas uma hora eles vão precisar amadurecer, não há como impedir, só adiar.
No relacionamento amoroso o amar demais aparece na forma de fazer tudo pelo outro, aceitar tudo, perdoar tudo, estar sempre disponível e, aqui também, há a expectativa de que o outro o valorize. Quem fica muito a disposição deixa de ser gente para ser visto como objeto. Pode ser um lindo objeto e ate bastante necessário, mas não será entendido como alguém com valores e necessidades próprias. Afinal, objetos não falam. Quem quer ser valorizado, precisa antes se valorizar. Quem quer ser amado, precisa antes se amar. E isto não se conquista com brigas ou pedidos e sim com novas condutas.
Talvez por isso Jesus tenha deixado apenas dois mandamentos como sendo os mais importantes: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo.
Não é possível amar ao outro sem se amar antes. E aqui cabe uma reflexão muito importante: como você se ama? Você se valoriza, percebe coisas boas em si mesmo, tem clareza de seus princípios, valoriza seus desejos, lida bem com seus erros e defeitos? Como você cuida de si mesmo, se responsabilizando por suas necessidades ou esperando que os outros façam isto por você? Como você se vê em relação aos outros, igual ou menor? Como você demonstra suas vontades, entendendo-as como dignas de serem valorizadas ou sem importância? Enfim, como você se vê?
É como você se ama que determinará como se colocará diante dos outros. Amar demais a alguém na verdade pode ser um grande sinal de se amar pouco.
*Fernanda Rossi é psicóloga clínica de orientação Psicanalítica. Mestre em Psicologia da Saúde pela UMESP e apaixonada por leituras e conversas." Curriculum vitae: http://lattes.cnpq.br/