A RECENTE experiência da pandemia de Covid-19 desafiou a todos em vários sentidos. Um deles foi ter que encarar o isolamento imposto às pessoas – idosos em especial –, para as quais isso foi causa de sofrimento. É justamente nesse caso que a solidão torna-se um problema, afirma o terapeuta ocupacional Adnaldo Paulo Cardoso. Há 25 anos, ele trabalha com recuperação cognitiva de idosos que possuem disfunções nessa área, grande dos parte dos quais se encontram em estado de demência. Em geral, o tema da solidão tornou-se comum no cotidiano do seu trabalho. Cardoso é ainda membro do grupo Psicologia e Comunhão, ligado ao Movimento dos Focolares.
Como resultado do sofrimento motivado pela solidão, é comum surgirem problemas de ordem emocional e física, como doenças cardiovasculares, ou aqueles provocados pelo alcoolismo, tabagismo ou consumo de drogas ilícitas. Os casos mais graves podem levar à depressão e até mesmo ao suicídio. Na raiz dessa dor, está a sensação de abandono, de desligamento e não pertencimento. “Em situações graves, a pessoa chega à sensação de não pertencer ao mundo, o que chamamos de solidão existencial”, diz o especialista.
Cardoso explica que esse quadro tornou-se tão comum que, em muitos países, a solidão passou a ser encarada como um problema de saúde pública. De fato, em 2018, o governo da Inglaterra criou o Ministério da Solidão. Houve quem julgasse a iniciativa um absurdo, mas, com o tempo, ela revelou-se tão necessária que outros países – como o Canadá, a França, a Alemanha e o Japão – seguiram o exemplo, criando ou um ministério ou uma secretaria com esse status. No caso britânico, uma iniciativa considerada exitosa parece validar a criação do ministério: o governo mobilizou uma multidão de solitários para trabalhar na cerimônia de coroação do rei Charles. Tirá-los do próprio isolamento por um período, o que lhes permitiu estreitar relações com outras pessoas, foi considerado uma pequena conquista pelo governo da Inglaterra.
Embora os jovens e idosos estejam entre as pessoas que mais sofrem com esse problema, a dor da solidão atinge indivíduos de diferentes idades e classes sociais, afirma o terapeuta ocupacional. Ele salienta que há grupos da população em que a incidência disso é maior, como é o caso de imigrantes, refugiados, moradores em situação de rua e a comunidade LGBTQIA+. O que parece óbvio é que a resposta para a solidão é a convivência. A questão é que depende do tipo de convivência, argumenta Cardoso. De fato, muitas crises motivadas pela solidão ocorrem, inclusive, em situações em que as vítimas vivem cercadas de muita gente, como é comum em grandes cidades.
Não à toa, o grupo das pessoas idosas está entre aqueles que estão mais sujeitos ao problema da solidão. A experiência da morte de entes queridos e esse processo de mudança social muito rápido, ainda mais acelerado com a pandemia de Covid-19 dado o intenso uso de tecnologias, estão entre os principais motivos. Passada a pandemia, no entanto, em muitos casos, o problema permanece. Adnaldo Cardoso cita, a título de exemplo, situações em que os avós se queixam da ausência dos netos que, quanto muito, limitam-se a visitá-los por meio de chamadas de vídeo. Não só: entre os seus pacientes, há aqueles que reclamam que, em família, o seu ponto de vista sobre determinado assunto não é mais considerado.
Em sua pesquisa de doutorado, Cardoso trabalha com um público ainda mais específico: os centenários. Muitos deles têm buscado não se render a essas situações limitadoras, procurando realizar atividades lúdicas, esportivas, culturais, artísticas ou espirituais em que se sintam protagonistas e produtivos. No casos de pacientes com Alzheimer, há aqueles que se empenham em escrever a própria biografia, o que ajuda a minimizar as consequências dessa doença. Ele diz que muitos dos familiares se surpreendem com as histórias de vida de seus avôs e avós, o que ajuda a encarar esses idosos com outros olhos.
Já do ponto de vista do atendimento à saúde, o especialista informa que muitos profissionais têm investido na chamada prescrição social, que implica encaminhamentos para fazer uso de dispositivos da comunidade que permitem uma convivência saudável para o idoso.
Há também igrejas e organizações da sociedade civil que se empenham nesse sentido. É o caso da Pastoral da Pessoa Idosa, que promoveu um importante trabalho de assistência durante a pandemia. Um exemplo vem da Arquidiocese de Belo Horizonte, cuja atividade mais comum é a da visita ao idoso. Nesse contato, os membros da Pastoral atualizam a Folha de Acompanhamento Domiciliar do Idoso (FADI), que permite avaliar os trabalhos e, ao mesmo tempo, conhecer a realidade dessas pessoas. Outro momento esperado pelos idosos é a celebração da missa. “Além do contato com outros idosos, a celebração é maravilhosa”, conta a dona Lucy de Abreu Nunes em matéria publicada pelo site oficial da Arquidiocese de Belo Horizonte. “As líderes da Pastoral [da Pessoa Idosa] me levam e me trazem de volta à minha casa; demonstram sempre muito carinho”, testemunha a senhora de 81 anos.
Mas há, afinal, um tipo de solidão – a chamada solitude – caracterizada por um tipo de isolamento realizado de forma consciente, livre e voluntária, com um objetivo claro que, em geral, está relacionado à conexão com a própria interioridade, uma necessidade vital. “Às vezes, uma pessoa se isola para um retiro espiritual, para escrever um livro, para produzir algo ou para estabelecer um contato com a natureza de forma mais profunda”, argumenta Cardoso. Segundo o terapeuta ocupacional, isso é positivo, porque está relacionado com o autoconhecimento, o que é importante para a relação com os outros. “Essa experiência alimenta a possibilidade de conexões verdadeiras com o semelhante”, conclui ele.