ANA LUIZA FREITAS tinha uma curiosidade antiga quanto a um livro que ela costumava ver na casa de sua melhor amiga de infância. O título sugestivo, Crianças altamente sensíveis, saltava-lhe aos olhos todas as vezes em que encontrava a amiga com o objeto nas mãos. “Ela vivia lendo esse livro, mas a gente não conversava muito sobre ele quando era adolescente. Eu lembro que ela começou, então, a mencionar certas coisas que tinha ali e, quando a gente cresceu e ela se mudou para os Estados Unidos, essa minha amiga me deu o livro de presente”, lembra Freitas, que tem hoje 27 anos. Foi assim o início da sua trajetória: Ana Luiza é uma Pessoa Altamente Sensível (PAS), e essa descoberta já se desdobrou em uma pequena rede de apoio a outras pessoas com o mesmo traço de personalidade.
“Quando a minha filha leu alguns trechos daquele livro para mim, eu fiquei muito surpresa! Fazia total sentido! Aquilo me fez entendê-la e, ao mesmo tempo, entender também tantas pessoas que eu acompanhava como pacientes”, conta a mãe, Maria do Socorro Freitas. Depois disso, ela, que também é psicóloga, passou a pesquisar mais sobre o assunto. A única publicação sobre PAS em língua portuguesa estava esgotada e os poucos livros disponíveis para a venda custavam uma fortuna em negócios de livros usados. A psicóloga chegou, inclusive, a tentar uma reimpressão, o que não teve efeitos imediatos. Mas os seus esforços não foram em vão: o resultado das pesquisas acabou difundindo-se nos locais onde trabalhou e com seus respectivos pacientes. De forma orgânica, a compreensão sobre a alta sensibilidade também se difundiu entre amigos e alguns membros do grupo “Psicologia e Comunhão”, do qual faz parte.
“O mais interessante é perceber a alta sensibilidade como um modo de ser, que pode ser um pouco diferente, mas é um modo ser. Não é nem mais nem menos que os outros modos. A sensibilidade, às vezes, coloca a gente muito em cheque, porque as pessoas com essa característica precisam de vez em quando se retirar, estar sozinhas, ou têm um limite que é muito diferente do limite do resto da família. É uma questão com a qual todo mundo precisa aprender a lidar, mas sem fazer disso um drama”, explica a psicóloga. "O caminho é encontrar um limite entre estar aberta ao próximo e se responsabilizar pelas próprias necessidades", completa Ana Luiza.
“Quando eu mostrei para a minha mãe algumas informações sobre as PAS e vi como ela recebeu tudo aquilo, entendi que a forma como ela agiu desde então foi a maneira dela de demonstrar o amor por mim. Compreender a minha sensibilidade foi o modo dela de me amar. Ela não fez aquilo por achar interessante! Compreender as pessoas altamente sensíveis é uma forma de amá-las”, explica Ana Luiza. “Com ela, eu fiz um percurso de aprender a estar com o outro em silêncio. E não de uma forma agressiva ou chateada, mas um silêncio que respeita o outro, por entender que naquele momento não cabe dizer nada. Para mim, por exemplo, foi um aprendizado fazer uma viagem inteira sem dizer coisa alguma. Entendi que essa é uma outra forma de estar presente”, completa a mãe.
Maria do Socorro Freitas explica que, apesar de poder se manifestar de maneiras diferentes em cada pessoa, a alta sensibilidade, de modo geral, está relacionada a um processamento mais profundo dos estímulos externos e internos: "pode ser a luminosidade, a cor, a barulhos, a textura... A grande questão é entender o seu limite. Isso não é uma coisa fácil de se descobrir e depende de cada um ir entendendo com o tempo. É muito fácil ultrapassar esse limite e chegar a um esgotamento, ou até em um Burnout".
De acordo com a psicóloga, ser mais introvertido ou reservado não é, por si só, sinal de alta sensibilidade. “70% é introvertido, outros 30% não são. Não é um padrão. Está mais relacionado à sensibilidade aos estímulos e a uma capacidade de empatia muito grande. Diferentemente de um perfil psicótico, em que não existem limites entre o eu e o outro, a PAS é consciente de si mesmo, mas tem uma capacidade grande de colocar-se no lugar do outro e perceber aquilo de que ele mais precisa. A pessoa altamente sensível tem geralmente a necessidade de parar, de ter o próprio tempo. Eu diria, com sinceridade, que a alta sensibilidade pode ser um grande dom. Não é nem problema, nem defeito ou qualidade!”.
Descobrir a própria alta sensibilidade pode ser libertador, como explica Ana Luiza Freitas: “O maior presente que uma PAS pode receber é descobrir ser altamente sensível, porque ela automaticamente percebe que não é doente ou tem algum problema. Isso é um grande alívio, é uma libertação! Porque você talvez tenha se sentido diferente toda a vida sem saber explicar, ou tenha sentido que a forma como você é não é a forma ideal porque você tem limites que os outros não têm. O que eu diria para uma pessoa que tem a suspeita de ser altamente sensível é isto: trata-se de uma característica que pode ser um dom para as outras pessoas. É um processo, mas é um processo muito proveitoso”.
Entenda mais sobre Pessoas Altamente Sensíveis no canal do Youtube “Ame sua sensibilidade” ou no perfil do Instagram: @higlysensitiverefuge
Por Gustavo Monteiro, texto divulgado pela edição setembro 2022 da Revista Cidade Nova.