A palavra Ecuenismo é, por vezes, inundada de significados. Seja em âmbito nacional, seja internacional, esta é uma pauta recorrente e tem tomado maiores proporções desde o século passado, quando igrejas cristãs compreenderam a riqueza que o diálogo entre elas poderia gerar.
Entre os dias 17 e 23 de maio, ocorreu no Brasil a Semana de Oração Pela Unidade Cristã (SOUC) de 2021, um dos maiores eventos globais a propor o diálogo entre as igrejas irmãs e busca convergir diferentes igrejas e movimentos sociais que se identificam com a cultura do encontro. Promovida pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), este ano de maneira extraordinária online, contou com o tema “Permanecei no meu amor e produzireis muitos frutos” (cf. João 15,5-9).
Sandra Ferreira - responsável pelo Diálogo Ecumênico no Movimento dos Focolares no Brasil.
Convidamos a corresponsável pelo Diálogo Ecumênico do Movimento dos Focolares, Sandra Ferreira Ribeiro, para abordar as raízes do ecumenismo e os principais impactos do tema na modernidade.
Sandra Ribeiro - Usamos muito a palavra para indicar relacionamentos religiosos. Na verdade, ele é um tema muito específico que nasceu para indicar o relacionamento entre os critãos. Porém, vejo que hoje usam para significar qualquer busca de diálogo entre pólos diferentes ou que confundem com o diálogo inter-religioso, que significa, por sua vez, o diálogo entre outras denominações religiosas pelo mundo. Mas o tema específico nasce em âmbito catolico para indicar a procura de relacionamento entre os cristãos.
Sandra Ribeiro - O desafio é que parece até um retrocesso. O Ecumenismo no momento moderno é um caminho. Durante a história, grupos tentaram solidificar o ecumenismo e em 1910 esse movimento Ecumenico Moderno deu o seu boom. Neste momento, demos conta que essa busca de unidade entre os cristãos é importante e desde então houveram muitas caminhadas em conjunto para sua fortificação. Também fomos conversando sobre as diferentes doutrinas e diálogos que poderíamos fazer. Muitas coisas foram conquistadas, mas me parece que há um retrocesso. Como se tivéssemos perdido o sentido de ser cristão, que significa buscar a fraternidade, o entendimento.
Jesus disse que deveríamos amar e respeitar todos e não odiar. Vejo que no âmbito da igreja católica, especificamente, é necessária formação para que padres e religiosos compreendam a importância de semearem essa formação ecumênica para os e as fiéis. Acho que precisamos disso: formação sobre o que significa o ecumenismo e o que é ser cristão.
Dentro desse aspecto, se pararmos para pensar, nossa fé cristã é do Deus que nos revelou uma Trindade Santa. O Pai que não é o Filho e o Filho não é Espírito Santo. Está intrínseco, portanto, a unidade. Falta um pouco essa formação ao ecumenismo, mas uma formação eu diria até para a própria fé cristã. Estamos deixando a desejar bastante. Assim, damos margem para o surgimento e o enraizamento de grupos fundamentalistas. Talvez seja até uma fase da cultura atual, é time de futebol, partido político...não sabemos dialogar, ver que a sociedade humana é formada de pluralidades.
Sandra Ribeiro - Acho que uma coisa boa que a gente conseguiu fazer é distinguir os níveis. Um é o nível popular, outro é o nível teológico. Em popular, acho bacana que a própria vida nos coloca lado a lado com o ecumenismo. É um tio que é de uma igreja, uma filha que é de outra, uma irmã de outras, etc. Tudo isso nos constrange a dialogar. Vejo que houve sim um aumento de unidade juntos.
Já em nível teológico, é muito bacana ver oficialmente que as igrejas se juntaram para dialogar. Temos o próprio Conic que é um espaço de diálogo para várias igrejas. Tivemos nossos avanços em ambos os níveis e acredito que com os eventos online estamos conseguindo acessar cada vez mais pessoas interessadas no tema. Este é um momento de dificuldades sem medidas, então precisamos cultivar a fraternidade e o respeito mais do que nunca.
Sandra Ribeiro - O Movimento dos Focolares em si tem uma caminhada de 60 anos de diálogo ecumênico, inicialmente com os luteranos, e desde ali o carisma da unidade faz com que a gente queira viver em prol deste desejo que Jesus nos deixou, que até chamamos de Seu testamento: “Que todos Sejam Um”.
Com base nisso, o Focolares pegou para si essa missão de viver pela unidade. Depois, cada região do mundo se adapta conforme a cultura e necessidades. Por exemplo, na Europa, onde é muito viva essa vivência das igrejas mais históricas, digamos assim, que nasceram com a Reforma, ali a gente viu que era muito importante ter um espaço de diálogo e de testemunho entre católicos e luteranos, e nasceu a Mariápolis de Ottmaring, na Alemanha.
Aqui no Brasil não é tão presente essa realidade para nós e cada ano que passa torna-se mais frequente a convivência com os pentecostais, sobretudo os neopentecostais. Então, aqui, vemos que o que mais podemos fazer é o "diálogo da vida", como Chiara dizia, isto é, este estar ao lado um dos outros.
Então, com esses irmãos dessas igrejas é muito, muito importante a gente estabelecer um diálogo que não deve ser de rivalidade, mas de testemunho do amor, do serviço, provar que nos queremos bem. A gente quer aprender a conviver juntos como irmãos. Portanto um ecumenismo mais da vida, do dia a dia.
Enquanto em outros países, sobretudo onde o diálogo teológico está mais maduro pela base histórica, nós, enquanto Movimento, temos pessoas empenhadas neste no diálogo oficial e temos este espaço de testemunho..
O Centro UNO (uma Secretaria internacional do Focolares para o Ecumenismo), onde vou começar a trabalhar agora, sempre promoveu encontros de formação e de testemunho ecumênicos e de diálogo. Agora, com a pandemia, teremos inclusive um congresso ecumênico internacional online, com foco nas igrejas pentecostais, nos dias 28 e 29 de maio, com o tema “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Este é um dos exemplos da nossa comunhão, apesar da distância.
Aqui no Brasil, uma coisa interessante que fizemos por cerca de 20 anos foi a Escola de Ecumenismo. Todos os anos, promovemos quatro ou cinco dias de encontro para todos os membros do Movimento sobre o diálogo ecumênico. Mas, a realidade mudou e precisamos fazer essa formação durante os encontros que tínhamos, durante as Semanas de Oração; durante os momentos que tínhamos para aprender como é viver o ecumenismo. Também a Cidade Nova hospedou muitos artigos ecumênicos.
Sandra Ribeiro - Eu percebi que seja na região Sudeste, seja nas demais regiões do Brasil, tivemos que nos reinventar devido a pandemia. O que está acontecendo é que essa colaboração junto com irmãos de outras igrejas se concretiza em ajudar o pessoal necessitado. O amor ao necessitado faz parte do cristianismo.
Em Brasília, por exemplo, houve uma ação muito bonita que envolveu muitas pessoas e foi bastante concreta para recolher lençóis para hospitais e na nossa região conseguimos ajudar alguns centros de recuperação de dependentes químicos que eram levadas, muitas vezes, à frente por algumas pequenas igrejas e com um pouco de ajuda a mais também foi alargada.
E com a pandemia uma coisa que se multiplicou bastante foram as lives sobre o ecumenismo. Achamos legal porque deu muito certo, assim como sabemos que sobre outros assuntos também está sendo feito.
Sandra Ribeiro - Eu agora estou concluindo uma tese de doutorado pelo Instituto Universitário Sophia , justamente sobre o Ecumenismo. Ela ainda não foi defendida, mas com certeza vamos publicar também. Um evento importante que aconteceu em Sophia foi a instituição da Cátedra Ecumênica Internacional Patriarca Athenagoras-Chiara Lubich, em homenagem ao relacionamento frutuoso entre Chiara e o Patriarca da Igreja Ortodoxa. Esta amizade gerou uma importante sinergia entre as igrejas.
Neste tempo, tenho participado de vários seminários e visto de perto a influência que os meios de comunicação estão tomando neste período de distanciamento físico necessário. Cada vez mais, vejo que há um interesse por parte dos membros dos Focolares para estudar sobre o ecumenismo. Isso é muito importante e espero que continue se multiplicando.