No mês de março lembramos de forma especial de Ginetta Calliari, hoje Serva de Deus, e uma das primeiras companheiras de Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares e também da Editora Cidade Nova, e que trouxe para o Brasil a mensagem de unidade dos Focolares.
Abaixo, separamos 6 experiências, ou seja, relatos de vida que testemunham sua radicalidade cristã, que certamente são ótimas reflexões de vida para cristãos e também para quem tem uma vivência focada em valores comuns com aqueles cristãos: doação, colaboração, ver o positivo nas pessoas, igualdade social, caridade, o mundo como uma única família, etc.
Esses relatos de Ginetta parecem ainda mais propícios para esse período de quarentena, a fim de repensarmos nossa relação com os bens materiais e especialmente, com as pessoas que vivem ao nosso redor.
“Depois de... não sei se 15 dias, numa tarde de domingo, minha irmã me disse: ‘Eu fui em uma casa onde havia um grupo de jovens; essas jovens, a um certo momento, entraram em um quarto, abriram as portas de um armário, as gavetas de um outro móvel e começavam a tirar o que estava no armário: este capote é a mais, esta saia é demais, este casaco também, esta blusa... E colocavam essas roupas uma em cima da outra no meio do quarto, no chão. Entre elas havia uma outra jovem com uma lista de endereços e marcava os nomes destas pessoas às quais teriam dado aquelas roupas’.
Este fato revolucionou toda a minha vida. (...). O que aconteceu dentro de mim? Todos aqueles ideais que eu tinha - a arte, a música, a filosofia, a montanha -, eu os vi desaparecer todos como chamas de vela diante do aparecer do sol. E uma grande luz invadiu a minha alma, tomou posse do meu ser e eu vi que aquela luz era Deus! Naquele instante disse a mim mesma: “Não, o meu ideal não é a música, não é a filosofia, não é a montanha. O meu ideal é essa grande luz, o meu ideal é Deus. Eu quero escolhê-lo como tudo da minha vida”.
Quando Chiara abriu o Evangelho ali no refúgio, leu que o maior mandamento é: “Ama-me com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente e com todas as tuas forças” (cfr. Dt 6,5; Mt 22,37). E aquele ‘todo’ nos fulgurou.
Nós não estávamos acostumadas a dar tudo a Deus, dávamos assim... pouquinho, talvez na hora das orações da noite, se nos lembrávamos, ou indo à Missa... Mas, não estávamos dando nada a Deus, e pensávamos ser cristãs! Enquanto que Jesus tinha dito no Evangelho: “Ama-me com todo o teu coração...”, não com um pedacinho, não com ‘três quartos’, não com a metade! Todo o coração! E a este ponto Chiara disse: “Sim, porque quem não dá tudo a Deus, nada dá”.
E assim, nos comprometemos a dar tudo.
Mas, depois, passa-se ao segundo mandamento: “Ama o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18; Mt 22,39). Como a ti mesmo! Foi aquele ‘como’, como o ‘tudo’... aquele ‘como’. Mas quem é que ama o próximo como a si mesmo? Aqui está a solução! Eu sei como amar aquela pessoa, aquela outra, eu sei como amar a todos. De todas as raças, todas as extrações sociais, pessoas de cultura ou não, com formação, com educação, pessoas doentes, ricas, pobres. “Fazer aos outros aquilo que gostaríamos que os outros fizessem a nós” (cfr. Lc 6,31). E assim fomos para frente.
Aconteceu que, logo depois de ter conhecido esta espiritualidade, eu estava em casa com minha irmã e eu faltei de caridade para com ela. Perdi a paz, saí para ir à igreja e pedir desculpas a Jesus na Eucaristia. Mas, daquela vez eu não tive coragem de me colocar no primeiro banco; fiquei no fundo e comecei a pedir desculpas a Jesus, mas as palavras não saíam muito soltas; a consciência me dizia - mas era Jesus na Eucaristia que me dizia através da consciência: “Escuta Ginetta, você faltou de caridade não é? Mas aquela palavra ‘desculpa’ que você veio me dizer, não é a mim que você tem que dirigir; é a mim na sua irmã. Você faltou de caridade não tanto para comigo diretamente, mas a mim na sua irmã”.
E naquele instante, eu vi iluminarem-se as palavras do Evangelho, que dizem “Quando você entra numa igreja, e está para fazer a sua oferenda e se lembra que o irmão tem alguma coisa contra você, deixa a oferenda, saia da igreja e se reconcilie com seu irmão, e depois volte” (cfr. Mt 5,23).
Eu tive que sair; saí bem depressa. Entrei em casa, mas sabe como é a soberba! Era um esforço grande demais, uma humilhação para mim, pedir desculpas, reconhecer que eu tinha errado mas, enfim, eu tive mesmo que pedir desculpas. Voltou a paz. É uma experiência que continua a me acompanhar de uma forma sempre mais nova, sempre mais profunda. É a Palavra de Deus!
Eu tinha uma única colega ali nesse escritório, os outros eram rapazes. Ela tinha um espelhinho na gaveta da sua mesa e, como vinham muitas pessoas, tinha que atender ao guichê, ela gostava de agradar a todos aqueles que vinham ali, ao menos fazer-se notar... E abria a gaveta, se olhava no espelhinho, se ajeitava, para ver se estava bem, e depois sorria a todo mundo.
Olha só! Não dá para imaginar o bem que ela me fez! Vou dizer de que modo. Todas as vezes que ela se olhava no espelhinho me lembrava que também eu tenho um espelhinho e que é Jesus; tenho que me lembrar de ver Jesus em cada um, em cada um, fechar os olhos sobre o negativo que pode existir nas pessoas e ver Jesus. Era uma ginástica constante! E olha que não lhe escapava nenhum!
E talvez, para mim, havia um ou outro que passava sem que eu percebesse. Disse a mim mesma: “De hoje em diante não pode mais me escapar nenhuma pessoa”.
O problema econômico social não se resolve com um pacote no Natal e um na Páscoa, ou mesmo um pacote semanal ou mensal. Porque o ano é feito de 365 dias e o físico reclama todos os dias os seus direitos. Na nossa pequena e grande família não deve existir mais nenhum necessitado. Nenhuma diferença entre quem dá e quem recebe. Somos todos irmãos, todos filhos do mesmo Pai, o Pai celeste que está nos céus.
No Brasil eu encontrei o Crucifixo Vivo na pobreza do focolare, mas me parece tê-Lo encontrado, em uma forma chocante, no povo que eu encontrava pelas ruas, nos pobres.
Antes, eu não conhecia a pobreza, a fome; não sabia o que é isso, ver uma pessoa faminta, ver uma pessoa explorada, oprimida, ridicularizada, caluniada, esmagada, e no entanto, são homens, são criaturas como nós! Digo muitas vezes que, pela sensibilidade que tenho, se não morri foi uma graça de Deus; porque eu não conhecia este aspecto. Se você acompanha as revistas, os jornais ou lê algum livro, não falam nada! Eu acreditava que ao menos os velhinhos estivessem alojados num asilo, ou os doentes em algum hospital, mesmo ruim, talvez abandonados, sem cuidados, mas que tivessem ao menos uma cama.... Mas ver as pessoas dormindo nas calçadas, para mim foi uma coisa fortíssima, fortíssima!
E ali foi se revelando um aspecto de Jesus Abandonado que eu não conhecia - conhecia mais a parte espiritual d’Ele, aquele Abandono de Deus, aquela ausência de Deus, mais tarde nas dores morais, também nas dores físicas, mas não muito; nas dores físicas eu entendi aqui no Brasil! A cada passo eu me deparava com ele. Encontrava-o nas ruas, nas praças, na praia - não é que eu ia muito à praia, mas se por acaso andava pelas ruas do Bairro Boa Viagem eu O encontrava!
Quando chegamos não tínhamos nada... E teríamos vontade de bater de porta em porta, para pedir esmolas e dizer: “Ajudem, dêem alguma coisa para matar a fome destes e daqueles.”
E ali Deus quis um passo meu porque vi os nossos limites, vi que não conseguíamos... ali havia fome, havia desnutrição, havia desprezo, pessoas humilhadas, esmagadas, como se houvesse carros armados que vão em cima desta pobreza... com uma indiferença, sem saber o que fazem. Carros armados que vão em cima, sem parar, sem olhar, sem piedade, com um coração de pedra! Aquilo que na Europa eu não conhecia...é uma experiência que fiz somente aqui! Foi algo duríssimo, porque me deparei com os meus limites, os nossos limites.
Precisávamos da comunhão dos bens para irmos para frente... e foi ali que entendi: “Somente Deus pode fazer alguma coisa”. Deus é Pai! Um Deus que nós temos que apresentar. Trata-se de um coletivo, um Deus que é um coletivo, ou seja, as comunidades.
Essas e outras experiências de Ginetta podem ser encontradas nos livros publicados sobre ela pela Editora Cidade Nova. Um deles é Ginetta, uma vida pelo Ideal da Unidade.
Sinopse: Uma mulher de caráter forte e decidido, amante da justiça e da verdade, em meio aos horrores da Segunda Guerra Mundial, faz com Chiara Lubich e algumas amigas uma descoberta que mudará o destino de suas vidas. Uma história pitoresca e emocionante do Ideal da Unidade e do Movimento dos Focolares, que, em muitos pontos, se confunde com a própria história de Ginetta, contada por ela mesma, revelando detalhes de uma experiência simples