O Livro do Deuteronômio se mostra como uma série de discursos pronunciados por Moisés no final da sua vida. Ele recorda às novas gerações as leis do Senhor, enquanto contempla de longe a Terra Prometida, rumo à qual guiou corajosamente o povo de Israel.
Nesse Livro, a “lei” de Deus é apresentada antes de mais nada como a “palavra” de um Pai que cuida de todos os seus filhos. É um caminho de vida, que Ele doa ao seu povo para realizar um projeto de Aliança. Se o povo a observar fielmente, mais por amor e gratidão do que por medo dos castigos, continuará a saborear a proximidade e a proteção de Deus.
Um dos modos para realizar concretamente essa Aliança presenteada por Deus consiste em procurar decididamente a justiça. O fiel cumpre a justiça quando lembra com gratidão como Deus escolheu o seu povo e evita adorar quem quer que seja, além do Senhor. E a cumpre também quando rejeita benefícios pessoais que ofuscam a sua consciência diante das necessidades do pobre.
“Segue estritamente a justiça.”
A experiência do dia a dia nos coloca diante de inúmeras situações de injustiça, até mesmo graves, sobretudo às custas dos mais fracos, daqueles que sobrevivem às margens das nossas sociedades. Quantas pessoas fazem como Caim, usando de violência contra o irmão ou a irmã!
Erradicar desigualdades e abusos é uma exigência fundamental da justiça, a começar pelo nosso coração e pelos espaços da nossa vida social.
Mesmo assim, Deus não exerce a sua justiça destruindo Caim; pelo contrário, preocupa-se em protegê-lo para que retome o caminho[1]. A justiça de Deus consiste em dar vida nova.
Nós somos cristãos porque encontramos Jesus. Com suas palavras e seus gestos, mas sobretudo com a entrega da própria vida e com a luz da Ressurreição, Ele nos desvendou que a justiça de Deus consiste no seu amor infinito por todos os seus filhos.
Por meio de Jesus se abre também diante de nós o caminho para colocar em prática e difundir a misericórdia e o perdão, que são o fundamento também da justiça social.
“Segue estritamente a justiça.”
Esse versículo da Escritura foi escolhido para celebrar a Semana de Oração pela Unidade Cristã de 2019[2]. Se também nós acolhermos essa Palavra, poderemos empenhar-nos em procurar os caminhos da reconciliação, antes de tudo entre os cristãos. Colocando-nos depois a serviço de todos, curaremos de modo eficaz as feridas da injustiça.
É essa a experiência feita há alguns anos por cristãos de várias Igrejas que, juntos, se dedicam aos detentos na cidade de Palermo (Itália). A iniciativa se deve a Salvatore, membro de uma associação evangélica: “Eu me dei conta das necessidades espirituais e humanas desses nossos irmãos. Muitos deles não tinham familiares em condições de ajudá-los. Confiei em Deus e falei do assunto com muitos irmãos da minha Igreja e de outras Igrejas”. Christine, da Igreja Anglicana, acrescenta: “Poder ajudar esses irmãos necessitados é uma alegria para nós, porque concretiza a providência de Deus, que quer fazer chegar o seu amor a todos, por meio de nós”. E Nunzia, católica: “Pareceu-nos uma oportunidade, seja para ajudar os irmãos necessitados, seja para contribuir em anunciar Jesus, inclusive por meio das pequenas coisas materiais”.
É uma realização daquilo que Chiara Lubich expressou, na igreja evangélica de Sant’Ana em Augsburg (Alemanha), durante um encontro ecumênico:
(...) Se nós, cristãos, observarmos a nossa história (...), não podemos evitar a consternação por constatar que muitas vezes ela foi uma sucessão de incompreensões, de brigas, de lutas. A culpa, certamente, é das circunstâncias históricas, culturais, políticas, geográficas, sociais..., mas também do desaparecimento, entre os cristãos, daquele elemento unificante típico deles: o amor. Um trabalho ecumênico será realmente fecundo em proporção a quanto, quem a ele se dedicar, reconhecer em Cristo crucificado e abandonado, que volta a abandonar-se ao Pai, a chave para compreender toda e qualquer falta de unidade e recompô-la. (...) E a unidade vivida tem um efeito (...). Trata-se da presença de Jesus entre várias pessoas, na comunidade. “Onde dois ou três – disse Jesus – estiverem unidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20). Jesus entre um católico e um evangélico que se amam, entre anglicanos e ortodoxos, entre uma fiel da Igreja Armênia e uma da Igreja Reformada que se amam. Quanta paz desde já! Quanta luz para um reto caminho ecumênico![3]
*Letizia Magri é especialista em matrimônio e família na Pontifícia Universidade Lateranense de Roma. Desde março de 2017, escreve a Palavra de Vida como representante de um grupo de membros do Movimento dos Focolares de diferentes idades, culturas e profissões, entre os quais especialistas em exegese bíblica, ecumenismo e comunicação.
[1] Cf. Gn 4,8-16
[2] No hemisfério Norte a Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC) ocorre de 18 a 25 de janeiro (festas, respectivamente, de são Pedro e de são Paulo). No hemisfério Sul ela é celebrada entre a Ascensão e Pentecostes (em 2019 será de 2 a 9 de junho).
[3] Chiara Lubich, “Oração ecumênica do Advento”, 29 de novembro de 1998.