Fundado em 2009, o Grupo Pensar é uma Organização Não Governamental que atua principalmente no Complexo do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro. Durante a década de 2000, o número de filmes com destaque nacional e internacional que contavam sobre a vida nas favelas havia aumentado. No entanto, nenhum deles fora produzido pelas pessoas que viviam as realidades retratadas. Segundo Tiago Gomes, um dos onze fundadores da ONG, foi nesse momento que surgiu a ideia de mudar a narrativa e quebrar estereótipos ao levar a câmera para os jovens que compõem esse cenário.
A atual coordenadora da organização, Isabela Reis, produtora cultural e cineasta, se envolveu com o grupo em 2010. Com o objetivo inicial de dar algumas aulas, hoje, ela se dedica integralmente às atividades e cursos da ONG. Isabela é enfática ao contar sobre a visão do projeto. “Uma coisa que a gente acredita muito é no poder das ferramentas culturais para transformação, mas principalmente desse olhar que a gente quer construir”.
O trabalho do grupo é mais forte no Complexo do Alemão, mas, na intenção de ser o mais aberto possível para jovens das periferias, já foram realizadas atividades em Cachoeiras de Macacu, Morro da Providência, Morro da Babilônia e do Chapéu Mangueira. Como resultado da produção cultural realizada pela equipe e alunos, também já aconteceram apresentações em vários pontos da cidade do Rio de Janeiro.
Realidades transformadas
Na área de produção audiovisual, o curso PensarCine ganha destaque ao mostrar ao jovem que ele é capaz de produzir obras de qualidade. A atriz Nilda Andrade, ex-aluna do curso, ressalta que o diferencial do projeto é que não estão querendo apenas divulgar estatísticas sobre a vida nos morros da capital fluminense, mas um olhar mais amplo sobre essa realidade. “Nós éramos vistos em primeiro lugar. Fora que não existia essa coisa de ‘aluno ter que se pôr no seu lugar’. Era uma parada democrática, parceria mesmo”, afirma Nilda a respeito do protagonismo dos jovens que participam do PensarCine.
A produtora de audiovisual Jéssica Souto abriu sua empresa depois de participar da turma de 2016. Além do curso, envolveu-se com outros alunos do concurso Editaí e do projeto Favela é tudo igual?, ambos realizados no mesmo ano. Jéssica diz que, além da formação profissional, é um espaço de crescimento pessoal. “Passamos por um processo de formação de grandes pessoas que não sabiam do próprio potencial, que acreditavam não ter vocação e se descobriram artistas, produtores, filmmakers e tantas outras coisas. Juventude que hoje também tenta multiplicar. Está bem além de um simples curso.”
Favela é tudo igual?
As novelas Salve Jorge e I Love Paraisópolis, veiculadas pela Rede Globo de Televisão, respectivamente, entre outubro de 2012 e maio de 2013, e entre maio e novembro de 2015, foram sucessos nacionais de audiência na TV aberta e levantaram várias questões sobre a vida nas favelas. Mas o que pensavam as pessoas que realmente moravam nelas a respeito da realidade retratada nessas produções de TV? Andréa Borges fazia o mestrado sobre bens culturais e projetos sociais em pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), quando conheceu o Grupo Pensar. Aos poucos, Andréa passou a conhecer o cotidiano do Complexo e, em parceria com a ONG, desenvolveu vários projetos, entre eles o Favela é tudo igual?
Protagonistas 04/18
Dentro desse projeto, foi realizado um intercâmbio cultural entre os jovens do Complexo do Alemão e de Paraisópolis (esta, de São Paulo). Além de debates, foram realizados uma visita aos estúdios da Globo nos quais as novelas foram filmadas e encontros com a socióloga Bianca Freire Medeiros, no Rio de Janeiro, e o escritor e roteirista Paulo Lins, em São Paulo. A reflexão gerada no contato com esses profissionais foi documentada pelos próprios alunos, por meio de uma produção audiovisual e textos publicados em um blog.
Muitos dos participantes desse curso tiveram a oportunidade de visitar São Paulo pela primeira vez e, no Rio de Janeiro, conhecer o PROJAC (núcleo de produção televisa da Rede Globo). Entretanto, nada escapou à visão crítica dos jovens. Eles não reconheceram os ambientes em que vivem nesses cenários utilizados pela emissora de TV para reproduzir as favelas retratadas em sua teledramaturgia. As construções e o cotidiano lhes pareceram uma maquiagem que reforçava os estereótipos a respeito da vida nas favelas de grandes cidades.
Talentos potencializados
Outra forma de expressão dos jovens é o Sarau do Alemão, que já teve várias edições desde 2011 e recebeu centenas de pessoas. Os artistas são adolescentes e jovens da própria comunidade e podem apresentar todo tipo de intervenção cultural.
A ex-aluna Jéssica Souto conheceu o grupo por meio do evento, logo se entusiasmou e, pouco tempo depois, mostrou a sua voz acompanhada de dois amigos, com os quais agora forma uma banda. “Só achava incrível a ideia de trazer isso para dentro da favela, ao invés de nos tirar dela para ter acesso”. O mesmo aconteceu com Nilda Andrade, que jurou que um dia se apresentaria naquele palco. Ela se lembra do momento com muito orgulho. “Eu só queria apresentar naquele palco. E foi possível! Me senti incrível.”
No ano passado, o sucesso do evento fez com que fosse apresentado não só na favela, mas também no Museu de Arte do Rio, abrindo o show do premiado rapper Rincon Sapiencia.
Desafios e novos projetos
Como a maioria das organizações sem fins lucrativos, o Grupo Pensar tem que ser criativo para conseguir patrocínios. É difícil manter funcionários; então, a maioria dos envolvidos participa voluntariamente, doando parte do seu tempo.
Para conseguir se manter, o grupo aposta em parcerias com o poder público e editais que podem também ser do setor privado. Por conta dessa rotina, escrever projetos com essas finalidades passou a ser a especialidade da Isabela, que tornou-se parecerista do Ministério da Cultura.
Ganhar esses concursos tem a ver com saber escrever o projeto, mas também com novas ideias que beneficiem a comunidade, afirma Isabela. Durante a produção desta matéria, o Grupo Pensar estava na expectativa de obter recursos para promover o curso de cinema de animação intitulado AnimaLab, cujo objetivo é colocar em contato profissionais dessa área com adolescentes e jovens da periferia do Rio. Segundos seus organizadores, esse novo projeto parece coroar os primeiros dez anos de muito trabalho, persistência e bons resultados do Grupo Pensar, a serem festejados em 2019.
Lívia Navas
(Esta matéria foi originalmente publicada na edição de Abril de 2018 da revista Cidade Nova)