Em reconhecimento a quatro décadas dedicadas à causa humanitária e ao trabalho com refugiados, o diretor-executivo da Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, Cândido Feliciano da Ponte Neto, foi condecorado na última terça-feira (22) com a medalha Sérgio Vieira de Mello, concedida pelo Ministério das Relações Exteriores. A medalha foi entregue pelo ministro Aloysio Nunes Ferreira, em cerimônia realizada no Palácio do Itamaraty, em Brasília (DF).
Diretor da Cáritas Rio, Cândido Feliciano da Ponte Neto (esquerda) recebe a medalha Sérgio Vieira de Mello do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira. Foto: Itamaraty/Arthur Max
O nome da condecoração é uma homenagem ao diplomata brasileiro e Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas que perdeu a vida durante um atentado em Bagdá em 2003. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, a medalha é concedida às pessoas que prestam inestimável contribuição nas áreas do direito internacional, direitos humanos, direito humanitário, assistência humanitária, direito dos refugiados e promoção da paz.
A Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro é uma das organizações parceiras da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) no Brasil, implementando projetos de assistência e proteção a refugiados e solicitantes de refúgio. Estima-se que 12 mil refugiados e solicitantes de refúgio tenham passado pela Cáritas do Rio desde os anos da ditadura militar no Brasil.
O trabalho de Cândido da Ponte Neto com refugiados se iniciou em 1975, quando começaram a chegar à capital fluminense os primeiros dissidentes políticos de países do Cone Sul que viviam sob regimes militares, como Argentina, Chile e Uruguai. Com 27 anos de idade na época, e já trabalhando na Arquidiocese do Rio de Janeiro, era Cândido quem fazia o atendimento e orientava essas pessoas.
Um ano depois, com o aumento no fluxo de refugiados para a cidade, o então arcebispo do Rio, Dom Eugênio Sales, designou à Cáritas Arquidiocesana a tarefa de iniciar um trabalho sistematizado de acolhimento dos sul-americanos perseguidos. Essas pessoas eram reconhecidas como refugiadas sob mandato do ACNUR, que, em parceria com a Cáritas, buscava um país mais seguro para reassentá-los.
Para o diretor da Cáritas Arquidiocesana do Rio, a concessão da medalha serve para manter vivos os ideais de vida e de trabalho de Sérgio Vieira de Mello. “Para quem atua na área humanitária, esta medalha é um reconhecimento do trabalho realizado. É um orgulho, uma honra, mas também uma responsabilidade, porque nos incentiva a continuar trabalhando, fomentando ações que levem ao respeito e à dignidade da pessoa humana”, afirmou.
Em todo o mundo, o ACNUR mantém parcerias estratégicas com organizações da sociedade civil para implementar projetos que ofereçam proteção e soluções às pessoas forçadas a deixar seus países por causa de guerras, conflitos e perseguições. No Brasil, a Cáritas Rio é uma dessas organizações.
“A atuação da Cáritas Rio nos dá uma noção exata da importância da sociedade civil para o bem-estar dos refugiados no Brasil. Temos trabalhado com essa organização por muitos anos, de forma transparente e respeitosa, com excelentes resultados. A medalha concedida pelo governo brasileiro é muito bem merecida”, disse a representante do ACNUR no Brasil, Isabel Marquez, também presente na cerimônia no Itamaraty.
Para o coordenador-residente do Sistema Nações Unidas no Brasil e representante-residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, Niky Fabiancic, “a condecoração é uma forma de reconhecer tanto a valiosa atuação da Cáritas Rio quanto de estimular que outras pessoas e entidades sigam o exemplo daqueles que se dedicaram ou se dedicam a causas humanitárias no Brasil e no mundo”.
Ao se lembrar da época em que começou a se dedicar à causa humanitária, o diretor da Cáritas Rio mencionou alguns contratempos. “Foi um período muito difícil, porque nosso trabalho incluía proteger os refugiados da Operação Condor, uma ação conjunta das ditaduras do Cone Sul, inclusive a do Brasil, para reprimir dissidentes políticos”, lembrou Cândido, que coordenava uma equipe de cinco pessoas.
“A polícia brasileira às vezes nos telefonava para perguntar sobre determinadas pessoas, e nossa tarefa era alertá-las para que mantivessem discrição e evitassem sair às ruas. Além disso, a Cáritas tinha que providenciar locação de apartamentos e toda a assistência necessária para que os refugiados pudessem aguardar até que o ACNUR encontrasse um terceiro país que os recebesse”, relembrou Cândido da Ponte Neto.
Um dos episódios mais marcantes e emblemáticos desse período foi a tomada do consulado da Suécia por refugiados argentinos e chilenos em 1979. A ação do grupo tinha o objetivo de denunciar as ditaduras que vigoravam em seus países e reivindicar uma saída segura do Brasil. Cândido participou da negociação com a polícia para que os refugiados libertassem o cônsul e deixassem o local após três dias. O diretor foi com o grupo para a residência do cardeal no Sumaré, aos pés do Cristo Redentor, onde ficaram por oito meses, até que todos conseguissem deixar o país em segurança.
Mas o período mais difícil, segundo ele, foi a chegada massiva de refugiados da guerra civil de Angola no início da década de 1990. “Em três meses, havia cerca de 300 angolanos, e eles continuaram chegando em grande número. Eram muitas pessoas de uma só vez, e o Brasil ainda não havia criado condições adequadas para recebê-las”, recordou Cândido sobre o primeiro fluxo mais expressivo de refugiados ao Brasil.
Nessa ocasião, o diretor da Cáritas teve a oportunidade de conhecer pessoalmente Sérgio Vieira de Mello, que na época era funcionário do ACNUR. “Estávamos no início dos anos 1990, e o ACNUR não entendia por que tantos angolanos haviam atravessado o Oceano Atlântico e se refugiado no Brasil. Sergio veio a pedido de amigos e esteve na Cáritas. Após sua visita, tudo ficou resolvido. Aliás, o ACNUR sempre teve um papel fundamental para que o nosso trabalho pudesse ser realizado, ao estimular que o governo exercesse seu papel na proteção dos refugiados, prevista nos tratados assinados pelo país”.
Ao longo dos mais de 40 anos de atuação humanitária, Cândido viu o perfil dos refugiados mudar, assim como as possibilidades de integração dessas pessoas na sociedade. Para ele, porém, há aspectos que sobreviveram à passagem do tempo.
“O grande êxito desse trabalho é nunca perder o seu sentido principal, que é a proteção da pessoa humana. E o melhor de tudo é a certeza de que estamos ajudando a construir uma vida nova para os que são perseguidos, evitando o sofrimento, a tortura, as prisões e os julgamentos arbitrários. É saber que estamos criando condições para que os refugiados encontrem no Brasil a liberdade que necessitam para ter uma vida digna”, ressaltou.
Também receberam a medalha Sérgio Vieira de Mello o embaixador Gilberto Vergne Saboia, membro da Comissão de Direito Internacional (CDI); Terezinha Kunen, criadora da Pastoral da Criança nas Filipinas; José Gregori, ex-ministro da Justiça e ex-secretário Nacional dos Direitos Humanos; deputada Mara Gabrilli; Tarciso Dal Maso Jardim, consultor legislativo do Senado; capitão Ricardo Phillipe Couto de Araújo; Agência Brasileira de Cooperação e, postumamente, o general José Luiz Jaborandy Junior, que morreu no exercício do cargo de Comandante da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti em 2015.