Possibilitar a autonomia ao se vestir para pessoas deficientes, criar soluções que facilitem o dia a dia e oferecer maior variedade de roupas para esse segmento, estimulando sua autoestima, são alguns dos objetivos do Concurso de Moda Inclusiva, organizado pela Secretaria estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo, que está em sua nona edição e com inscrições até o dia 15 deste mês: http://modainclusiva.sedpcd.sp.gov.br/
O modelo e jornalista César Paranhos (ao centro) reduziu de 28 para 5 minutos tempo para vestir uma calça jeans. Foto: Paulo Lima/Governo do Estado de São Paulo
A coordenadora do concurso Gabriela Sanches explica que o certame surgiu como um incentivo para o desenvolvimento da moda inclusiva, que, para ela, pode aliar dois aspectos: a facilidade para vestir e atender o gosto da pessoa que está usando a peça de roupa. “[A moda inclusiva] é importante porque devolve a autoestima para quem se vê lesionado, se encontra em uma deficiência no meio da vida ou para construir a imagem da pessoa que já nasceu com algum tipo de deficiência”, disse.
Ela ressaltou que aquela pessoa acabava vestindo o que era mais fácil para a mãe, para o cuidador ou ela mesma colocar, como roupas mais largas, de tamanhos maiores. “As pessoas [deficientes] têm que se adaptar à roupa que existe no mercado. Para não ter que costurar ou customizar, alguns preferem peças que já estejam prontas e sejam mais fáceis de vestir. E isso não necessariamente vai ao encontro do gosto pessoal. Então, a moda inclusiva vem para devolver esse poder de escolha”, acrescentou.
A discussão em torno da moda inclusiva ainda é muito incipiente e grandes magazines não incorporaram a demanda da moda inclusiva, o que levou à criação de algumas marcas exclusivas, que desenvolvem roupas funcionais especialmente para deficientes, mas que estão preocupadas também com o design das peças.
Para uma pessoa deficiente visual, por exemplo, é importante que a peça que ela pretende comprar tenha uma etiqueta em braile com informações como tamanho e cor. Para um cadeirante, tecidos mais elásticos e zíperes laterais facilitariam na hora de se vestir sozinho.
“Falta a sensibilização de algumas marcas que já têm a sua estrutura montada, ou seja, magazines ou lojas um pouco mais conhecidas, que entendam que a moda inclusiva é possível dentro da produção que a marca já tem. Adaptando poucas coisas na sua produção, você consegue atender uma pessoa com deficiência. Que entendam que você está agregando um cliente, você não está deixando de atender quem você já atendia”, avaliou Gabriela.
Segundo o modelo Thiago Cenjor, que é cadeirante, já desfilou e foi mestre de cerimônia em edições anteriores do concurso, a moda inclusiva permite uma liberdade maior para as pessoas com deficiência, porque é possível vestir uma roupa que ela goste e que consiga colocar sozinha. “Elas ficam mais contentes por terem essa independência e se olhar no espelho e falar 'essa roupa que estou usando não é porque me deram para colocar e só ela me serve' e sim eu a escolhi e consigo colocá-la sozinha”.
Independência
Para ele, a moda inclusiva está diretamente relacionada à independência. “Eu sou cadeirante, me viro superbem, sou superindependente, me troco sozinho tranquilo. Mas pessoas que têm um pouco mais de dificuldade que eu precisam de um auxílio para se trocar. Na hora que ela pega uma roupa, consegue colocar a perna dentro da calça e fechar o velcro do lado, eu vi isso já, crianças principalmente, o sorriso é incrível. É uma coisa tão pequena que você dá uma independência e dá uma alegria tão grande”, disse.
Segundo ele, o concurso incentiva as pessoas a compartilharem o conceito da moda inclusiva e também para que comecem a costurar, a fabricar esses tipos de roupa. “Hoje você vai a uma loja grande de marca, de shopping, que tem bastante gente comercializando, e tem área masculina, feminina e infantil. Por que não pode ter uma área de pessoa com necessidade especial? Uma área de moda inclusiva? Uma área pequena, onde teriam algumas roupas e também um provador acessível, em que a pessoa com deficiência conseguiria se trocar. Não é difícil [fazer]”, afirmou.
“Eu acho que é aquela coisa de quebra de paradigma, tem que entender que a pessoa com deficiência tem dinheiro, ela trabalha, ela estuda, ela tem vida social, ela gosta de comprar roupa, ela gosta de experimentar uma roupa nova. É um mercado que é muito grande, mas as pessoas não enxergam”, acrescentou Thiago.
Moda inclusiva poderia estar nas grandes lojas
A estilista Letícia Nascimento, mestre na área de moda inclusiva pela Universidade de São Paulo e vencedora de uma das edições do concurso, concorda que a moda inclusiva poderia estar dentro das grandes lojas que já existem. “Hoje eu vejo que é essencial, não tem como você fechar os olhos para esse assunto [da moda inclusiva], porque é o presente e o nosso futuro. Temos que fazer o mercado girar”, explica.
Segundo ela, existe demanda para o mercado de moda inclusiva. “É uma questão de os empresários apostarem e fazer essas peças. Depois de muito tempo estudando, eu consegui descobrir que não é tão difícil, as empresas são bem fechadas ainda quanto a isso. Mas eu acho que é o mesmo caminho da moda plus size. Demorou para o pessoal entender que precisava ter plus size e hoje em dia já tem um monte”.
Letícia destacou a falta de estudos que possam basear a criação e a produção de peças dentro da moda inclusiva e, por isso, desenvolveu no mestrado uma metodologia que pode ser usada por qualquer pessoa ou empresa que queira desenvolver roupas para pessoas deficientes. “São várias questões para se pensar para criar [as roupas], mas, no final das contas, depois que você já tem esse estudo feito, não é difícil de criar as peças”.
Ela estudou quais tecidos dão mais conforto, testou as matérias-primas que mais se adequavam às necessidades dos cadeirantes, conversou com pessoas deficientes, profissionais da saúde – médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais – e englobou ainda, em sua pesquisa, técnicas de costura e escolha dos aviamentos. A partir disso, desenvolveu algumas peças com moldes que facilitassem na hora de vestir.
Tecido passou por teste
“Eu fiz um blazer masculino que não tem o forro interno. Normalmente paletó tem forro. Fiz um teste com um tecido e consegui desenvolver um blazer sem o forro, porque o forro acaba prendendo o movimento. Então, com esse tecido e as técnicas de costura que a gente vai estudando, eu consegui desenvolver. Ele é superelástico. Na hora que a pessoa vai se vestir, ela tem uma facilidade bem maior de colocar e até de ficar com a peça o dia todo. É o conforto de uma [calça] legging em uma roupa de alfaiataria”, contou.
Apesar do estudo ser baseado especialmente nas necessidades de cadeirantes, as peças podem ser usadas por diversas pessoas que não tenham necessariamente essa deficiência. “Qualquer pessoa pode usar. Eu foquei nas necessidades dos cadeirantes, mas que são necessidades de um monte de gente: de mulher grávida, por exemplo, de uma pessoa mais idosa que tem a mão trêmula e não consegue fechar o botão, então coloquei aquele botão magnético que é mais fácil, são vários detalhes que acabam ajudando um monte de gente não só cadeirante”, argumenta.
Diante de uma necessidade apresentada por um de seus modelos no concurso, o jornalista César Paranhos, que é cadeirante, a estilista desenvolveu uma peça funcional. Ele havia cronometrado e demorava 28 minutos para vestir uma calça jeans. “Eu desenvolvi uma calça jeans com um traço de alfaiataria, um pouco mais arrumadinha. E eu fiquei muito feliz porque no final ele se vestiu sozinho para o desfile e falou que se vestiu em cinco minutos. De 28 minutos, ele conseguiu diminuir para cinco minutos com essas adaptações”, contou. A peça foi confeccionada em um tecido com mais elasticidade, botões magnéticos e zíper nas laterais.