“Em 2008, uma operação de fiscalização do Ministério do Trabalho chegou à fazenda onde eu trabalhava e fui resgatado de situação análoga à escravidão. Eu tinha 17 anos e, até então, não conhecia aquilo que vivia. Era trabalho escravo. Consegui chegar onde estou hoje porque tiraram uma venda que colocaram em mim. No interior, a gente não conhece o que é trabalho escravo”. O depoimento de Rafael Ferreira da Silva durante o lançamento da campanha 50 For Freedom, realizado no Senado Federal na terça-feira (9), é emblemático da violação de direitos que persiste no Brasil e no mundo.
Rafael deu voz às 21 milhões de vítimas da escravidão no mundo durante o lançamento da campanha 50 For Freedom no Brasil. Foto: Thiago Foresti
Aproximadamente 21 milhões de pessoas ainda são vítimas da escravidão moderna. Trata-se da segunda atividade ilícita mais rentável no mundo, gerando anualmente 150 bilhões de dólares em lucros ilegais. A campanha 50 For Freedom pede que o governo brasileiro ratifique o Protocolo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre trabalho forçado para ajudar a transformar esta realidade. Até agora, 13 países já fizeram a ratificação.
O tratado complementa a Convenção nº 29 da OIT sobre Trabalho Forçado e fornece orientações específicas sobre medidas efetivas que devem ser tomadas para eliminar as novas formas de escravidão moderna, incluindo o desenvolvimento de ações de prevenção e assistência a vítimas que são fundamentais para reforçar o combate a esse crime. Além disso, o Protocolo identifica a necessidade de ações específicas para combater o tráfico humano, que alicia pessoas para a exploração sexual e para o trabalho forçado.
Segundo o especialista da OIT sobre trabalho forçado, Houtan Homayounpour, “todos nós temos um papel nisso”. “Desde os fiscais do trabalho, procuradores, senadores, deputados, organizações internacionais, agências das Nações Unidas, organizações não governamentais, associações de empregadores e empregados e, finalmente e não menos importante, cada um dos indivíduos, como consumidor, tem a responsabilidade de combater o trabalho forçado”.
Durante o evento, as autoridades presentes registraram a importância de o Brasil assumir o protagonismo na assinatura do Protocolo e de se manter como uma referência internacional no combate ao trabalho escravo. O país foi um dos primeiros a reconhecer oficialmente diante da ONU, em 1995, a existência de formas contemporâneas de escravidão em seu território. Desde então, medidas concretas foram estabelecidas pelo governo brasileiro, resultando no resgate de quase 50 mil trabalhadores entre 1995 e 2015.
O presidente da ONG Repórter Brasil e Membro do Conselho de Curadores do Fundo das Nações Unidas sobre Formas Contemporâneas de Escravidão, Leonardo Sakamoto, destacou a importância do conceito de trabalho escravo, presente no artigo 149 do Código Penal brasileiro. “Hoje são quatro elementos que definem a escravidão contemporânea no Brasil: trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes (aquelas abaixo da linha da dignidade e que põem em risco a saúde, a segurança e a vida do trabalhador) e jornada exaustiva (não confundam com o não pagamento de horas extras, mas é levar o trabalhador ao completo esgotamento dada a intensidade da exploração)”, explicou ele.
De acordo com o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Lélio Bentes, “o cabedal de normas que dispomos para o combate esta chaga, sem sombra de dúvidas, reclamava já há muito tempo por uma atualização”. “A Convenção 29 da OIT é da década de 1930 e continha disposições que ainda tratavam das relações de escravidão no âmbito das colônias. O Protocolo vem trazer um novo impulso à efetividade que se pretende dar de forma urgente aos preceitos contidos na Convenção 29”.
A campanha global 50 for Freedom foi lançada pela OIT em parceria com a Confederação Sindical Internacional e a Organização Internacional de Empregadores para promover o Protocolo em todo o mundo e pedir que pelo menos 50 países o ratifiquem até 2018. O público pode apoiar a campanha e pedir que o Brasil ratifique o Protocolo pelas redes sociais, postando mensagens com as hashtags #50FF, #50ForFreedom e #AssinaBrasil. As postagens são exibidas num painel digital, que está instalado esta semana no Espaço Cultural Ivandro Cunha Lima, no Anexo I do Senado, e depois será levado para a Câmara dos Deputados.
“O lançamento da 50 For Freedom no Brasil foi realizado no Senado porque os próprios parlamentares são o público-alvo da campanha, já que a ratificação do Protocolo deve passar pelo Congresso. Nós achamos importante realizar o lançamento nesse momento para que os parlamentares pudessem olhar para esse tema e ver a importância da ratificação, principalmente tendo em vista que o Brasil é uma referência internacional no combate ao trabalho escravo e já conduz diversas ações que são recomendadas pelo Protocolo”, afirmou a oficial de projeto da OIT, Fernanda Carvalho.
O lançamento da campanha no Brasil aconteceu no âmbito de uma audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, presidida pela Senadora Regina Sousa. Também participaram do evento o senador Paulo Paim (PT-RS); o deputado Paulo Fernando dos Santos (PT-AL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados; a secretária de inspeção do trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência Social, Maria Teresa Pacheco; a secretária especial de direitos humanos do Ministério da Justiça e Cidadania, Flávia Piovesan; o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury; o secretário da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Elias D’Ângelo Borges; a diretora-executiva do Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPACTO), Mércia Silva; o diretor-executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), Edmundo Lima; e a diretora-executiva do Instituto C&A, Giuliana Ortega.
Saiba mais sobre a campanha em 50forfreedom.org.