Dona Benedita, que há anos vive com diabetes, colesterol alto e hipertensão, descobriu na prática que prevenir é melhor do que remediar. Bastou começar a praticar atividades físicas de forma regular para ver o número de comprimidos que ingere diariamente cair de 12 para seis.
Aposentados praticam exercícios físicos em Rio Claro, em fevereiro de 2017. Foto: Na Lata
Sua colega, Lourdes de Fátima, também teve problemas de saúde. Em 2015, teve uma parada respiratória e chegou a ficar em coma. “Sempre fui sedentária, sou artesã, trabalho 12 horas por dia sentada. Agora faço ginástica aqui no posto, melhorei a disposição, até minha cor mudou”, lembra.
Juntas, as duas idosas descobriram que a Unidade Básica de Saúde – ou o posto de saúde, como é popularmente conhecida – podia ter um novo significado: o local deixou de ser um lugar vinculado comumente a doenças e tratamentos para se transformar num espaço de convivência e lazer.
Essa é a proposta do Programa Promoção de Atividades Físicas em Unidades Básicas de Saúde (PAF-UBS), um projeto de extensão do curso de Educação Física da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Rio Claro e do curso de Educação Física do Campus Muzambinho do Instituto Federal Sul de Minas Gerais.
As duas faculdades oferecem sessões de exercícios regulares e gratuitas nas UBS. A iniciativa foi anunciada em dezembro do ano passado como uma das três vencedoras do Prêmio Mais Movimento, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para conscientizar a sociedade brasileira sobre a importância da prática de atividade física.
O Programa, explica Eduardo Kokubun, vice-reitor da UNESP, foi criado em 2001 a partir da solicitação da gerente de uma UBS em Rio Claro. A gestora queria o apoio da universidade para realizar palestras educativas no local.
“Notamos que havia muitas mulheres idosas obesas, porém dispostas a praticar atividades físicas. Como a UBS não tinha como fazer exames diagnósticos, pensamos em uma estratégia de fazer exercícios simples, que parecessem atividades do dia a dia, ali mesmo”, conta o dirigente da instituição de ensino.
A iniciativa foi pioneira nesse tipo de intervenção nas UBS, sendo implementada antes mesmo da prática de atividades corporais ser incluída na Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), em 2006, e da inserção do profissional de Educação Física no contexto da Atenção Básica da Saúde, em 2008.
Nos centros de atendimento básico, está o público que mais precisa de cuidados preventivos e, ao mesmo tempo, o que menos pratica atividades físicas: pessoas com nível socioeconômico baixo, sobretudo mulheres idosas.
As aulas — conduzidas por profissionais e estudantes de Educação Física ligados a universidades ou contratados pelo município — ocorrem duas vezes na semana e têm duração de 60 minutos cada uma, englobando atividades de coordenação, agilidade, força muscular, resistência cardiovascular e equilíbrio. Também são feitos exercícios de integração e palestras de saúde preventiva.
As despesas do programa são financiadas pelas prefeituras locais e agências de fomento à pesquisa, além de apoios pontuais de empresas locais e da própria comunidade nos eventos.
De um lado, o programa prima pela simplicidade: as aulas acontecem em estacionamentos, jardins ou garagens das UBS ou locais vizinhos, sem equipamentos sofisticados. São utilizados bambolês, garras PET com areia e até meias, por exemplo. Do outro, o PNUD e os parceiros lembram que todas as ações têm forte base científica e são fundamentadas por pesquisas acadêmicas, além dos esforços discussão de casos, planos de aula e experiências no laboratório das universidades.
A agência da ONU afirma ainda que a iniciativa é calcada em um trabalho multiprofissional, que mobiliza professores de educação física, médicos, enfermeiros, nutricionistas e agentes de saúde ligados a cada posto. Todos trabalham em contato direto uns com os outros e com a população.
Com a iniciativa, gestores e pesquisadores buscam ampliar o acesso à atividade física ao resolver três obstáculos: falta de tempo, dinheiro e acesso logístico. O único critério de seleção para a participação é ter avaliação clínica aprovada por profissionais da própria unidade de saúde.
Atualmente, são cerca de 460 participantes em 18 UBS – cinco no município de Muzambinho, em Minas, para onde o programa foi ampliado após os resultados positivos em Rio Claro, no estado de São Paulo.
Os benefícios vão muito além da já cientificamente comprovada melhora dos índices lipídico e glicêmico e do peso corporal dos participantes. A interação entre as pessoas, bem como o envolvimento dos alunos e professores na resolução de problemas da comunidade também estão entre as conquistas do projeto.
“Aqui, conheci várias senhoras do bairro, já vendi dois jogos de tapete de banheiro, e um deles vai até para Portugal! Já fizemos uma feijoada com mutirão para pintar o posto de saúde. A gente participa dos conselhos de saúde e briga se tentarem parar com as aulas”, conta a artesã Maria.
Premiação do PNUD
Por se tratar de um modelo exemplar de promoção da prática regular da atividade física, o PAF-UBS foi escolhido uma das três iniciativas vencedoras do Prêmio Mais Movimento, do PNUD, concorrendo com mais de 140 projetos de todo o Brasil.
“Hoje, deparamo-nos com uma epidemia de inatividade física, no Brasil e no mundo. A população fisicamente ativa vem decaindo ano após ano. Precisamos acabar com esse ciclo. Uma das formas de tornar o Brasil mais ativo é incorporar o movimento ao dia a dia dos brasileiros, de forma criativa e prazerosa. Com isso, não melhoramos somente a capacidade física da população, mas também suas habilidades intelectuais, sociais e emocionais”, afirma o coordenador-residente do Sistema das Nações Unidas no Brasil e representante-residente do PNUD para o país, Niky Fabiancic.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 30% da população é fisicamente ativa. Entre os que fazem algum tipo de atividade, uma porcentagem muito pequena — de 2% a 5% — faz exercício com a frequência ideal — 30 minutos diários.
No Brasil, cerca de 300 mil pessoas morrem por ano de doenças associadas diretamente à inatividade física. No mundo, esse número chega a 5,3 milhões de óbitos por ano.
De acordo com o Diagnóstico Nacional do Esporte de 2015, estudo desenvolvido pelo Ministério do Esporte, o percentual de brasileiros envolvidos com esportes ou atividades físicas é de apenas 55%. No conjunto das capitais brasileiras, segundo o relatório Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônica por Inquérito Telefônico (VIGITEL) de 2014, a prática de 150 minutos de atividade física por semana é realizada por 41,6% dos homens e 30,4% das mulheres.